Le Eternel Amour
Tulipe Rouge
Claude
A luz excessivamente branca que vem do céu igualmente alvo, não diminui a brancura da neve que se amontoara na rua. Nos carros, nos telhados, nas árvores, nas casas e até mesmo nas escadas e entradas.
Por isso, a sensibilidade nos olhos é comum em todos. Lembra até o sol do mediterrâneo, onde estreitamos os olhos a fim de alongar a vista.
Nara veio o caminho todo tagarelando e saltitando sem parar, animada como nunca com esse natal. Eu estou apenas animado com a idéia de que será apenas uma noite, e dali a algumas horas, estaríamos voltando. Ela corre à frente, toca a campainha. Diz qualquer coisa em italiano no interfone e me olha sorrindo. Eu retribuo apenas porque reparei em sua apelação.
Subimos as escadas até o terceiro andar. O prédio não é grande e nem pequeno demais. Parece perfeito e aconchegante pra um solteiro. Bato na porta, mas antes da segunda batida, Tony a escancara, abrindo os braços
- OW! Mon Dieu! Vocês vieram!- abraça Nara, que sorri encantada pela alegria de meu irmão, como sempre, ele beija a mão dela e depois me abraça- Ora veja! Quanto tempo não abraçava o magrelo aqui ein?!
- Nem tom mais assim, hã? Você está me parecendo bem gordim, non?- rio, ele passa o braço pelos meus ombros
- Gordinho aqui está o senhor! Agora vem, entra que a festa está pra começar!- sorri, me empurrando pra dentro do apartamento aquecido. Nem reparo no recinto, mas a imagem que vejo de certa forma me assusta...
Sérgio abraçado a Janete no sofá, ela com um bebê no colo. Uma moça sorrindo e mimando o bebê. Rosa abraçando Nara e mostrando-lhe o gancho pra que ela tire o sobretudo (branco!). Vejo-a fulminar Jean e depois vem até mim, que permaneço praticamente na porta, como se estivesse disposto a correr dali a qualquer instante. Ouço a porta bater e me viro, Jean bate no meu ombro e sussurra:
- Obrigado por ter vindo Claude. Você ama mesmo sua noiva, sei o quanto é difícil pra você estar aqui, mas prometo que vai ser uma noite muito agradável!-
- Seria muito mais no Marrocos... onde NON tem natal.- murmuro, abrindo um sorriso pra Rosa
- Olá, Claude! Como vai?- ela me cumprimenta com um beijo na bochecha e um sorriso (nervoso). Rosa olha pra Tony (que abaixa a cabeça rindo) e depois olha pra mim, um pouco assustada. Suspira- Bem, vem, junte-se à nós, vamos jogar um pouco de buraco até que o peru asse...
- Claro.- digo sem nem mesmo refletir. Não sei oque me deixa mais zonzo nessa situação...
Rosa
Apesar do que possa parecer, não confundiria nunca o Tony e o Claude. Eles são diferentes demais pra serem confundidos, e até mesmo comparados. O olhar, a voz, a anatomia (tirando a facial), o sorriso e até mesmo o jeito de se mexer. Apesar de sempre respeitoso, Tony tem um jeito todo descontraído de olhar pras pessoas, enquanto Claude parece sempre solene e disposto a te explicar o porque de assinar o tratado de Kyoto- pra que ele enxergue à frente pilotando, claro!- Tony dizia.
Nos amontoamos envolta da mesa de centro da sala, cartas sendo cortadas por Sérgio, unhas sendo comidas por Silvia. Risos de Tony sobre a seriedade de seu irmão, que não desfazia a postura de “soldado”. Um inexplicável frio na minha barriga. Uma coceira nas narinas típica de quando estou (muito) nervosa.
O jogo corre como sempre é quando se joga com Silvia, ela ganha praticamente todas. Perdendo apenas vez ou outra pra um de nós. Nara parece encantada demais conosco, parece que nem se importa em ganhar ou perder, mas bebe muito, desde de que chegou, foram três taças cheias de vinho. E o mais engraçado é que não parece estar bêbada, deve ter boa tolerância.
Ascendo as velas do pequeno candelabro e chamo todos à ceia. Sentam sorrindo, a mesa realmente estava muito bonita: uvas, queijos, panettone e claro, o Peru. Todos servem-se e Tony levanta a taça:
- Pela revoluçón!- ele ri, olhando pra Claude que permanece estático. Eu, Jane, Silvia e Nara rimos e dizemos ao uníssono:
- Pela Revoluçón!
- Esperem, mais por qual revolução estamos brindando?- Sérgio pergunta, sorrindo e sustentando a taça no ar
-Hum... Pela próxima!- Tony sorri.
- Ah...como aquela em que todos os ricos são devorados pelos comunistas e os pobres ganham o poder?- Sérgio olha pra Jane divertido. - espero que não haja espiões por aqui!- sussurra, piscando pra ela
- Essa ai mesmo!- Tony diz, levantando ao máximo a taça. Nara sorri e toma mais um gole. A ouço reclamar da leve cotovelada que Claude lhe dá. Desconfio que ela ande mesmo passando da conta na bebida.
- Isso parece meio cruel... E nessa revoluçón, o que fariam com os intelectuais como você Tony?- Claude diz com certa ironia. Sorrio porque finalmente ele se manifestou.
- Ora certamente o devorariam também. Pena que mal daria um caldo ralo! - Sérgio ri
- Sérgio!- Janete o cutuca.
- Cuidado ein?! Eu non sou o único intelectual por aqui... - Tony me olha brincalhão. Suspeito que todos bebemos muito mais do que comemos.
- Eu jantaria você Bel!- Tony corta o breve silêncio- com molho rosê, pra combinar com teu lindíssimo nome, e com batatas também!- ele gargalha, eu reviro os olhos.
- Não Tony, seria melhor ao molho madeira! – Sérgio me olha rindo
- Olha será que vocês já pararam pra pensar que eu não gosto da idéia de que me devorem?- fecho a cara, um pouco tonta.
-Está bem... Até porque, não seria legal cozinhar você... - diz Tony
- E como faríamos? Existe livro que ensine a culinária canibal?- Sérgio ri
- Ow, o cru e o cozido!- Nara diz em mais um gole de vinho, e todos nos voltamos pra ela- Oque foi?
Todos rimos juntos, visivelmente alterados.
- Como farão pra passar a noite?- Silvia pergunta à Nara,que faz uma careta e ri
- Não faço a mínima idéia!- Nara toma mais um gole. Claude tosse e esconde o nariz e a boca com uma das mãos. Percebo que apesar de noivo, salvo no dedo do meio, nenhum anel.
- Olha com a neve que tá lá fora, e supondo que vocês não estão de carro, acho que terão que passar a noite aqui mesmo.- Silvia pondera
- Ahum! – Claude engasga – Comam?! Non! Non fora de cogitaçón!
-Bem, meu caro e mais novo amigo, fora de cogitação esta você atravessar a cidade pra conseguir uma vaga de hotel. Ainda mais a essa hora e nesse tempo!- Silvia diz, como se fosse possível enfiar mais gente no minúsculo apartamento de dois aposentos
- Silvia eu sei que é mesmo complicado mais como vamos acomodar todos aqui?- pergunto preocupada
- Bom, como dizemos nós brasileiros, dá se um jeito! Afinal, o meu apartamento está todo bagunçado e com cheiro de tinta fresca, mais ainda tem teto e paredes. Além da velha lareira, privilégio por estar no último andar desse prediozinho chinfrim no qual residimos. - Silvia gargalha, eu reviro os olhos
- Ah, Sil, tem certeza que vai dar certo?
- Claro que não né, mais vamos tentar uai!
- Por mim tudo bem!- Nara da os ombros. Claude passa a mão pelos cabelos crescidos, bufando
- Oh mon Dieu! Tudo bem...
- Obrigadíssima meninas, vocês tem sido ó- Nara beija a ponta dos dedos- Demais!
- Mas no estado em que a senhorita se encontra Nara, se existe mesmo cheiro de tinta lá em cima...- Tony balança a cabeça- acho melhor deixar as matmoiséles aqui e dormimos os rapazes lá em cima entón...
- É! Finalmente o senhor disse alguma coisa aproveitável!- bato o punho de leve nas costas de Tony, rindo.
- Enton tá. – Claude se levanta, mas franze o cenho pra Nara, que fazia uma careta- Nara? Esta tudo bem?
- Não né, francês! Bebi demais! Preciso... preciso ir ao toilet... onde fica?- Nara me pergunta
- Ah, claro, é no fim do corredor, bem ali. – aponto. Claude ajuda a noiva se levantar e a acompanha, ao chegar lá ela lhe bate a porta na cara, e ele gira nos calcanhares, se recostando na porta.
Tiramos a mesa e Silvia se encarrega das louças, apesar da máquina ter mais trabalho que ela. Minha sala se enche de colchonetes, nela dormiria Nara e Silvia. Eu me ajeitaria no espaço minúsculo que restava no dormitório cheio de tranqueiras, e Jane ficaria com Alice no meu quarto. Tony, Sérgio e Claude dormiriam no apartamento recém pintado de Silvia. Porque ela o pintou justo no inverno? Sabe Deus o porquê. Tudo se resume a vontade do dono (maluco) do prédio. Fez com que o apê de Silvia virasse uma obra: encanadores, pintores, pedreiros... e tudo por causa de uma suspeita de vazamento...
O cheiro de celulose me instiga muito ao trabalho... então, no meio da madrugada, de súbito, tenho idéias pra escrever uma crônica de natal. Levanto-me e começo a escrever. Acordo algumas horas depois, debruçada sobre a escrivaninha, cobertor caído no chão, pouca luz. Levanto-me e saio pela casa, respirações lentas e constantes podem ser ouvidas... entro no banheiro, faço meu toilet matinal, passo pela sala, salto os que se encontram “caídos” pelo caminho, vou à cozinha, preparo café...
Claude
Acordo num quarto escuro, um cheiro forte que lembra verniz de madeira fazendo minhas narinas geladas pulsarem. Ouço passos... inacreditável que alguém tenha acordado antes de mim! Levanto a cabeça devagar, estreitando os olhos pra enxergar além do claro que vem da porta de entrada (agora me lembro, estou na sala, no sofá que está encapado com plástico). Vem até mim, agacha-se na minha frente, toca meu ombro, e diz em tom solene:
- Claude, será que agente pode conversar um pouco?