quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Crônicas de U.R.C.A - " A noite" (parte 1)




Serafina Rosa Petroni
data de nascimento: 27/05/83
estado civil: solteira
endereço: rua Divina Providência nº 2010.
telefone: 11 12555 555

formação: técnico em administração de empresas.
Perfil: pró ativo e comunicativo. Trabalho em equipe e dinamicidade.

- é... até que não está mal...


- Mas precisa ser mais impressionante... tem que brilhar nas mãos do entrevistador!

-Ah isso é verdade. Eu preciso desse emprego de qualquer jeito, Teresinha!

-Escuta, e se a gente pedisse ajuda pro irmão do Miltom?

-O Antoninho? De jeito nenhum! Ele é um metido pervertido, cretino, farabutto!

-Nossa, não tá mais aqui quem falou. Mas tudo isso é por causa daquele dia que...

-Olha só Terezinha, não quero falar sobre esse assunto, tá legal?

-tá, tá bem... calma. Só quis ajudar.

-Eu sei... desculpa. Mas você entende, não é?

-Claro, eu entendo Fina.

-Ai não me chama assim! Eu detesto!

-Okay. Mas e agora? Vamos deixar assim, ou oque?

- Tenho de entregar amanhã... a minha amiga disse que a entrevista será lá pela sexta... ah, tem o Sérgio!

- O Sérgio, claro...

-Ei, pode desfazer esse sorrisinho, você sabe que o Sérgio e eu somos só amigos!

-Sei... claro que sei. Vivem grudados!

-Ué.. se somos amigos.. e desde que o Julio...

-O seu outro grande amigo.. ops!

-Terezinha!- rosna Serafina, indignada

-Tá... não me olhe assim, você dizia a mesma coisa dele!

-No começo sim. Mas com o Sérgio é diferente. E além do mais, ele é bem mais novo que eu...

-Ah, sim.. 5 anos. É demais pra você. Ele é quase um bebê!- aperta as bochechas e faz bico, gozando da irmã.

-Deus do céu, mas hoje você está mesmo inspirada! - Rosa se levanta da pequena poltrona, e leva consigo papel e caneta, pra que seu amigo Sérgio a ajudasse a escrever o “currículo perfeito”





Claude revira os olhos. A cabeça pendendo do pescoço, amparada apenas por uma das mãos que ele tinha afundada na bochecha. Mira um ponto no horizonte pela janela, tentando se concentrar em algo que não fosse a voz de sua namorada do outro lado do telefone.

-Oui, claro que eu estou prestando atenção, chérrie... Non... eu non vou sair hoje non, eu prometo.

Até parece que uma noite de terça feira open bar ia sair de cogitação depois de um dia como esse. Contas e contas , clientes reclamando que tem muito pó nas obras. Ah, não. Isso é construção civil, pó, cinza, barulho de máquinas e cimento pra todo lado. Oque esses arquitetos idiotas estão pensando? Ah, mas não tem problema. Hoje tem open bar.

-open... - Claude dá um sorriso.

-Oque você disse?

-Open... ah!!! Frazón, cala a boca.

-hein? Você fica ai falando sozinho...

-shiii, não tá vendo que eu estou ao telefone, hã?


-ok, ok, desculpinha.

Um silêncio se espreguiça pela sala. Frazão senta-se a mesa, com seu inseparável sorriso. Tremenda falta de sorte o amigo ter um dedo podre. Escolheu a mais grudenta do quarteto fantástico. Mas isso de escolher uma não era pra ele próprio que, salvo a ruiva do amigo, saíra com todas as outras três.


-ei, essa conversa de uma via só não acaba não? Tem uma pilha de relatório pra fazer, sabia?

-shii.. ela tá falando de ir passar o fim de semana no Rio de Janeiro com as Power Puff!

-oqueee??? Como assim, e eu vou sair com quem?- Frazão se aproxima do telefone tentando ouvir a conversa

-Shiii! -Claude se esquiva. - Chérrie, eu tenho de desligar. Estou sem secretária ainda, você sabe... tem um monte de relatório e trabalho chato pra fazer... tá, ligo sim. Outro.. - Faz cara feia, pois Frazão imitava Nara.

-Ha, não sei como você aguenta essa jararaca!

-Frazon, non ouço nada. Diga oque quiser, porque hoje, eu só escuto anjinhos em coro : “open bar”, a mais perfeita desculpa que eu encontro pra sair da abstinência e cair na farra. Ah, e quem resiste as plaquinhas brilhando?

-É Francês, tô vendo que suas promessas de ano novo não valeram muita coisa.

-Que promessas oque?

-Ué, as promessas. Você disse que ia se casar esse ano, ia virar um homem sério, respeitoso, de família. Que não ia mais beber...

-ah, essa última ai é muito forte. Como isso? Eu devia estar bêbado! Bêbado prometendo non beber nunca é serio. Non me cobre isso non!

-Tá. Você nem tava bêbado. Estava feliz. Tinha fechado o contrato com aquela metalúrgica lá, ia começar as obras dos armazéns, ganhar muita grana... e tava se acertando com Nara de novo.

-É eu estava feliz mesmo. E Nara foi mesmo parte importante disso. A mulher de minha vida.

-Ela só estava no lugar certo na hora certa. Você tinha sido chutado, estava triste, carente e bêbado. Ela te levou no bolso, e foi isso. Depois, caprichosa e cheia de artimanhas, ela te convenceu a entrar nessa furada que vocês chamam de “relacionamento sério”

-Ah Frazon, você é muito chato. Pelo menos eu sempre tenho com quem sair, quando eu quero.

-É. Mas o problema é que mesmo quando você não quer, como agora...

- E quem foi que disse que eu não queria?

- quem é que estava ai com cara de tédio, balbuciando “open bar”???


-Frazon, vamo trabalhar, hã? E vê se me arranja uma secretária boa logo, hã?

-Mas a Judite era boa! Você mandou ela ir em bora semana passada nem sei porque. Nara é uma despeitada.

-Era boa... boa só ser for de rebolado, porque de serviço... vou te contar... fiquei aqui até 11 da noite refazendo todo o trabalho que era dela... haja incopetência...

-Ah para de reclamar. No primeiro dia você parecia bem satisfeito.

-Ela era bonita. É verdade, isso impressiona um pouco. Mas dai, vi que era ton burra quanto. Non ia dar certo, Frazon.

-Mas então, oque vai ser? Open bar hoje e secretária competente, mesmo que seja feinha?

-Issi! É até melhor, assim non corro o risco de Nara querer bater ponto todo dia aqui como quando Judite estava na empresa.

-é.. seguindo essa linha de pensamento... Eu voto a favor!



Vamos, vamos Fina!

-Sérgio, não!

-Ah, qualé? Eu te ajudei, você me deve essa!

-Mas amanhã vou levantar cedo e tudo mais!

-Não quero saber, dívida é dívida!

-Eu sei... Mas é que..

-Rosa, por favor? Eu tô imploraaando. A Cleide acaba de me dar um toco colossal, você tem que me animar, que amizade é essa?

-Amanha eu tenho entrevista... e não me olhe desse jeito.Você nem está tão triste assim.
Sérgio faz bico e abaixa a cabeça.

-Tá bem... você tem razão. Me espere ás 8. Vou pra casa me arrumar, tá?

-Êê! Não se atrase ein? Ah, e é por minha conta!

- isso é que é boa notícia! -Rosa sorri indo em direção a sua casa.







-Hoje esse lugar tá fervendo!

-Ah isso nem me interessa, eu só quero beber!

-credo, Claude, assim você me corta o coração. Eu aqui todo feliz, e você com essa carranca!

-Non enche non Frazon. A noite é uma criança.

-criança não sei mas... Ninfa de olhos verdes... - Frazao sorri olhando de cima a baixo uma morena de vestido azul

-Eu vou no bar.

-vá, vá lá... chispa- disse sem nem tirar os olhos da moça que percebeu e sorria pra ele.




-Ai, não devia ter vindo...

-Já vai começar, Fina?

-Calma, Sérgio, eu ia dizer: não devia ter vindo com esses sapatos! São desconfortáveis. Eu mal posso andar, imagina então dançar?

-Ah não! Como assim? E com quem vou dançar?

-Como com quem? Vai chover de mulher louca pra dançar contigo, menino!

-Não me chama de menino... - Sérgio sorri sem graça. - eu sei que sou mais novo, mas não tanto assim, hã?

-Tá bom, desculpa. Agora vamos? Que tal uma bebida pra esquentar?

- ótima ideia.


-Ei, olha ali! É a minha amiga!

-A de Azul?

-É sim!

-Uau... e como é o nome dela?

-Janete.

-Me apresenta?

-Claro! Vem!

Os dois vão andando em meio a multidão que dançava e se espremia na boate, até chegar ao bar, onde Janete estava sentada voltada para a pista. Ao reconhecer a amiga saltou do banco para abraçá-la.

-Ai amiga, isso é um milagre!

-oque? Nos encontrarmos por acaso?

-Não né ? Milagre é você estar aqui, numa balada, e a noite!

-Ei que isso? Oque você tem contra as matinês?

-Nada não... - diz a moça que agora reparara no sorriso largo e convidativo de Sérgio

- Me chamo sérgio.

-Ah, desculpa gente. Sérgio, Janete, Janete, Sérgio.

-Encantada.

-E ai, quer dançar?

-Claro! Você se incomoda, amiga?

-É lógico que não, vao lá. Eu vou pegar uma bebida!

-okay, é só uma e a gente já volta!

-sei... -responde Rosa pra si mesma, pois os dois já haviam desaparecido na multidão.

Ah! A tão familiar solidão.... Corriqueira, rotineira, quase amiga.
Se não fosse tão ingrata....


-É.. hoje o mar non tá pra peixe. - uma voz disse. Real, irreal, imaginária... quem é que sabe, depois de uns 10 drinques?

- Oque?

- Non está... pra peixe non. - um copo bate na mesa e ela levanta a cabeça. Era real. Um homem meio barbudo, meio descabelado. Alto. Ou ela que estava alta demais

- Você... tá falando de que?

-Ai depende... você consegue entender sentido figurado?

-Sim.. eu entendo. Mas porquê?

-Ah que bom. Graças a Deus uma mulher que entende sentido figurado. É que ultimamente... eu non tenho dado sorte.

-Moço, você quer que chame um táxi?

-Non, non precisa non, mas obrigado.

-Você disse que o mar não está pra peixe. Mas eu acho difícil pegar um peixe só no meio de tantos, veja. Esse lugar está um caos.

Por uns minutos os dois ficam olhando para a pista de dança, que estava tão cheia e tão desordenada, que era meio assustador olhar de fora.

-Você... non gosta de multidon?

-Depende. De uma coisa assim, não muito.

-É.. eu também non.

-Então... porque veio aqui?

-Pela bebida. Mas e você?

-Por um caso de dor de cotovelo.

-Pardon, non entendi. Por um caso de quê?

-Meu amigo foi chutado, e queria se animar. - ela da os ombros. Os dois suspiram ainda olhando a pequena multidão se agitar ao ritmo eletrodance

-E quem não foi? - ambos dizem a uníssono. E gargalham como bêbados que estavam.

-Isso foi tão... brega! - Rosa gargalha

- a vida é brega.

-mas essa frase é pop. Muito pop! - ela toma mais uma golada de bebida enquanto o homem a observava mais atentamente.

A moça era meio baixinha, e parecia bem delicada. Ela tinha um pouco de maquiagem nos olhos e batom vermelho nos lábios. Usava um vestido de cetim azul escuro, que naquela luz, ele decidiu que era mais como preto. Pode até ser uma aparência meio comum, mas ela tinha uma inteligencia e sagacidade bem incomum. Era inevitável parar de falar e apenas observar o sorriso dela, a maneira com que ela se movimentava, a forma como seus olhos se ascendiam ao falar sobre qualquer coisa banal...

-Nossa, eu tô mesmo bêbado. - constata o homem, absorto em seus devaneios.

-É eu também! - ela riu novamente.

-Ei, quer saber, quer mais uma rodada?

-Com certeza!



Um zumbido lhe irrita as orelhas, como se as asas de um mosquito preguiçoso voasse lentamente ao redor de sua cabeça, que então, se afunda debaixo do travesseiro. Mas é necessário respirar. Então, acidentalmente, os olhos se abrem e as orelhas percebem que o mosquito é na verdade trim trim numero 3, seu toque despertador do celular, que estava enfiado em algum longínquo lugar pelo quarto.
Se senta num ataque de pânico ensaiado.

-Ei, onde é que eu tô? - ao se fazer essa pergunta, a moça gira lentamente o pescoço, ao perceber que não estava sozinha na cama. Ela precisava achar o celular. Então se levantou. Tomando antes o cuidado de se cobrir antes de saltar por ai, nesse lugar que lhe era estranho. O lençol estava preso sob o peso de um corpo bem maior que o seu, logo, o plano b consistia numa camisa de linho branco com finas e cinzentas listras verticais abandonada num lado da cama.

-Droga, justo branca! -ela abotoa a quase transparente camisa fazendo careta, e procurando o celular ao mesmo tempo.

E depois de longa saga de alguns segundos, o som se esgota e ela não o encontra. Subindo no colchão e olhando para o leito como quem se apronta para pescar um peixe com as mãos, ela se apronta para mais uma demanda, ficando bem quieta. No instante que o som recomeçasse, ela o encontraria na hora.

-Drooga! - o trim trim vinha de debaixo do tórax daquele ser que se esticava sobre a cama, como se seus braços e pernas não tivessem fim. - onde é que eu me meti?


Sem ter outra alternativa, Rosa se debruça sobre o corpo, e estica o braço tentando movê-lo. Mas justo quando sua mão alcança o aparelho de celular, e o desliga, o homem segura seu braço , a derrubando sobre ele.

-ei!- ela se debate

-Mas oque é isso, hã? Non seja ton indelicada comigo... - ele a põe de costas e a encara
-Você non me disse seu nome.

-você também não.

-Claude.

-Bem francês mesmo, né? - ela ri. Ele lhe mordisca a orelha

-Sua vez

-Rosa.

-Que coisa mais típica, hã? Nome de flor é ser ton brasileiro, non?

-Cala a boca.

-Ótima ideia. - Claude a beija. Até que em instantes o aparelho dela volta a tocar, só que com um som diferente. Ela o empurra, que com a surpresa dupla, cai para o lado.

-alô? - diz ela se levantando novamente, procurando suas roupas.

-ei, volta aqui... - se levanta também e a abraça pelas costas. Rosa olha pela janela e sente um frio na barriga. Deviam estar na cobertura do prédio. Era muito alto. E ela nunca gostara de altura.

-Eu já estou a caminho, não se preocupe.... tenho de desligar, tchau.

-Rosa.. oque foi? - ele a encara, percebendo que a moça estava bem séria.

-Em que parte da cidade estamos?

-No Morumbi... mas porque?

-Eu tenho que ir.

-Onde? Quer que eu te leve?

-Não, não precisa. Obrigada. eu... posso usar seu banheiro?

-Claire, fique a vontade.

Ela pega o vestido e a bolsa, e fecha a porta do banheiro. Claude fica parado lá, ainda olhando para a porta. Porque tinha vontade de estar lá com ela? Que coisa era essa? Ela era só mais uma.. simples assim. Mal se conheciam e foi tudo tao... confuso. Estavam bêbados e meio deslocados. Foi natural.

-Droga, acho que foi totalmente natural. Tanto que fomos irresponsáveis.. mas non quero ser indelicado com ela..e ela pode se ofender.. ia ser ton...


-Eu já estou indo... - ela reaparece do banho, fresca como se estivesse acabado de se arrumar pra sair pela primeira vez.

-Como fez isso?

-Isso oque?

-Nem parece que acordou a pouco.. está ton.. perfeita, alinhada.. - ele pisca pra ela, se aproximando. Ela dá um sorriso que faz as pernas dele tremerem. Os dois se beijam um pouco, até que o celular de ambos tocam, deixando-os atônitos com o barulho que quebrara o silêncio e a calma da manhã . Era uma quarta feira bem agitada, aquela.

Rosa se despede dele com um selinho e sai correndo. Precisava estar com dois cafés da Starbucks nas mãos em meia hora, em frente ao prédio de seu futuro emprego. Não teria erro. Estava tudo planejado. Sérgio e Janete lhe deram todas as coordenadas, o emprego já era seu.

-O elevador abre em cinco, quatro... - ela olhava o marcador na parte superior da porta do elevador. Estava com a pasta, e os cafés. Era só dar os dois passos desajeitados mais ajeitados de sua vida até aquele momento.


Frazão dá um sorriso, mesmo estando de óculos para disfarçar a ressaca iminente. E nem conseguira falar com secretária de olhos verdes direito. Um malandro dançou com ela a noite inteira! Devia ter se juntado a Claude e beber bastante, como “a noite dos cornos”. Mas viu que o amigo se dera melhor que ele, e em nome da amizade e da esperança do francês largar a jararaca ruiva, ele se manteve longe do amigo e sua acompanhante baixinha e sorridente, que ele mesmo mal notara.

-Bom dia! - uma voz feminina diferente das abituais soa pela recepção e Frazão se vê obrigado a olhar para trás. A secretária de olhos verdes apontava pra ele e ele quase acreditara que era com segundas intenções, até reparar na moça, dona da voz, parada de pé em frente a mesa com dois cafés nas mãos.

-doutor Frazão?- a moça sorri

-oh, meu Deus, isso é pra mim? Você veio voando do céu, é isso? Venha, vamos fazer essa entrevista já, porque é urgente, minha mais nova musa!



Claude chega duas horas depois, menos mau humorado do que estaria num dia como aquele, tão cheio e com toda aquela enxaqueca que sentia. Porém, também estava mais pensativo que o normal.

-doutor, sua namorada ligou pra cá agora pouco para avisá-lo que só voltará na próxima segunda.

-Obrigado, Janete. - sorriu pensando “ enfim, uma boa notícia!”- Algo mais?

-Doutor Meneses disse que a reunião pra sexta de manhã está confirmada, e me mandou o endereço do restaurante.

-okay. E as planilhas?

-Metade estão prontas, e a outra metade está com Gurgel. As prontas estão em sua mesa, doutor.

-Tudo bem enton, Janete, obrigado. Non repasse ligações antes das 14 horas, okay? Estou com dor de cabeça, non posso atender ninguém assim.

-sim senhor.

-Onde está Frazon?

-Em entrevista com uma candidata a secretária, doutor.

-Ah. Enton, quando ele terminar, peça que vá a minha sala.

-Ok.


Frazão se impressionara com aquela moça. Ela era atenta, firme, e tinha um currículo bem acima do nível de suas concorrentes. Era ela, com certeza. E como Claude lhe dera carta branca...

-Faz assim, passe no D.P, e comece na sexta, oque acha?

-É sério?

-Seríssimo!

-Doutor, muito obrigada! - eles apertam as mãos.

-Eu é que agradeço! - sorri aliviado. Menos um problema! Ele acreditava estar diante de sua possível substituta no quesito “resolver casos sem solução” e “tratar dos urgentes e desesperados casos de desespero”. Os dias péssimos seriam só ruins. Ela era como doutorzinho pra seus músculos cansados, o reumatismo da empresa agora seria tratado por pequenas mãos ágeis que assinara o contrato e lhe agradecera com um firme aperto.

-Ai ai, a vida é bela... - Frazão sorri observando a moça entrar no elevador. Janete percebe o olhar dele e derruba um peso de papel, bufando em seguida. Frazão alarga o sorriso pensando no quanto ela se incomodara. O plano havia funcionado. A musa de olhos verdes não lhe era alheia.


-Fina, onde você esteve?

-Isso é o de menos, Terezinha, o importante é só uma coisa!

-Oque? Você e o sérgio estão juntos?

-Não! Mas que ideia!

-Então oque?

-Eu consegui o emprego, irmãzinha!

-Jura?- Terezinha sorri

-Sim! Sua irmã está empregada novamente! E em tempo recorde!

-Fina, estou tão orgulhosa de você!

-ei, essa fala é minha, hã? Eu sou a mais velha! -

- E começa quando?

- Na sexta!

-Que ótimo! Ai, graças a Deus!

-É sim. Ainda bem que deu tudo certo. Estava com medo de passar por tudo aquilo novamente, ter de ligar pros nossos pais, e dizer que não tínhamos dinheiro de novo...

-É. mas isso não vai mais acontecer. Deu tudo certo!


-E enton, Frazon, ela é boa?

-Muito boa, amigo! - Frazao esfrega as mãos.

-Mas de novo isso, Frazon?!

-Calma Claude. Não é duplo sentido não.. quero dizer, até é. Porque ela é boa no sentido ambíguo também.

-Mais essa... não é analfabeta funcional como a Judite, é?

-Ah não. Essa é técnica em ADM, e também tem inglês fluente. Trabalhava pra concorrência até 15 dias atrás... saiu de lá por que o pai adoeceu e ela precisou ficar com ele, perdeu 10 dias de trabalho e foi demitida. Está tudo formalizado. Trouxe até o atestado...

-Nossa. Comovente.... Mas... pelo menos nós saímos ganhando duplamente. Além da escolaridade, a experiência dessa mulher, mesmo que for um tribufu.

-Não é tribufu não, amigo. Aliás... é um caso a se pensar...

-Ei, nada disso Frazon. Essa parece ser dessas que processam por assédio e toda a histeria que uma cantada quase inocente sua pode gerar.

-Pois eu digo que ela se sentiria lisonjeada. Eu não tenho culpa se você não sabe como tratar uma dama.

-A dama no caso é a secretária?

-Eu é que não sou, né?

-Ah, chega de falar da secretária.

-Ei, e ontem?

-Ontem oque?

-A baixinha lá. De cabelo comprido... como foi?

-Foi ué.

-Foi?

-Oui. Porque? Você não conseguiu nada com a sua “ninfa de olhos verdes”?

-Nem me fale dela. Um sujeito lá dançou com ela a noite inteirinha. E você lá com sua baixinha, e depois me deixou sozinho. Mas como você sabe, eu sozinho não fico..

-Foi pra casa dormir? - Claude zomba

-Não, né.

-Sei.

-Não vai mesmo me falar da baixinha?

-Que interesse todo é esse?

-É que eu quero medir o “seu” interesse nela. Pro caso de rolar um telefone e tudo mais.

-Mas oque é isso Frason? E nosso pacto?

-E que pacto? Sou de todas, meu amigo. Sem exessões.

-Que amigo fui arrumar, viu... vou te contar...

-E o telefone?

-Ein?

-O telefone, da moça de azul.

-Essa era a tua. Como vou saber?

-Não ,não. A tua, a baixinha. O vestido dela era azul marinho.

-Que bixisse Frazon! Pra mim era preto. Mas no fim nem importa. E non tem telefone non, ela saiu correndo.

-Como assim?

-De manhã... Ela recebeu uma ligaçón e saiu correndo. Deve ser coisa de trabalho, non sei. Mas se estou certo, e sempre estou, ela vai dar um jeito da gente se esbarrar de novo... - Claude dá um sorriso malicioso.


-Então, pela sua alegria, vejo que a noite foi mesmo incomum. Você nunca gosta que te procurem de novo...

-É. Foi incomum sim... ela é incomum...




-Então Fina, o patrão hoje está fora, e pelo jeito nem virá aqui hoje. Então, podemos aproveitar o dia pra você se adaptar e surpreendê-lo na segunda!

-Isso parece genial, Janete! Ah, oque seria de mim sem você?

-Seria a mesma Serafina brilhante e maravilhosa que é, amiga. Bom, essa parte não é nada demais. É só a papelada que o doutor Frazão redige , você edita e o doutor Geraldy assina tudo.

-Entendi. É mais ou menos como na North White. Com a diferença que aqueles americanos lá são muito chatos me sobrecarregavam o tempo todo... espero que aqui não seja assim..

-Fica tranquila. Sobrecarregar só em sazonalidade muito muito intensa. Mas de resto o serviço é pesado, mas dá pra levar normalmente, sem estresse. A parte dos balancetes financeiros também passa por nós duas. O lançamento deles no sistema é feito pela secretaria, mas o controle primeiro passa pro doutor Egidio e depois pro doutor Geraldy. Olha amiga, nunca esqueça de repassar, e tem de conferir tudo antes, okay?

-Tá bem. Na North White eu é quem recalculava os balancetes.

-Ual.. bom, pelo menos aqui não é tanta responsa nas suas costas. O revisamento é feito pela diretoria direto, do jeito que vem do financeiro. Mas temos sempre que conferir as datas e os valores brutos. Mas isso você tira de letra, como sempre!

-Amiga, eu sou segunda secretária, né? Quero dizer, eu sou nova aqui, e vou estar debaixo de sua guarda, certo?

-Bom... como só temos três acionistas, essa de primeira e segunda é desnecessária. Eu vou te supervisionar só um pouco, quem vai fazer isso mesmo é o doutor Frazão. E depois, você tá na vaga da Ana, a antiga secretária do patrão, o dono da empresa, que é o doutor Geraldy. Mas ela se casou e foi morar no interior do estado. Depois veio a destrambelhada da Judite, que não ficou nem dois meses. Além da incompetência, era uma mocreia e vivia dando em cima do patrão e foi despedida, porque a namoradinha do patrão a odiava.

-Nossa.... Mas e porque você diz “namoradinha”?

-Ah porque é o que ela é. Ela se diz noiva do doutor, mas na verdade é só um relacionamento grudento.

-Ué, se são grudentos, o noivado é plausível...

-Não... ela é grudenta. O patrão fica sempre muito aliviado quando ela viaja, quando ela o deixa respirar!

-Credo... que esquisito. Porque ele não termina com ela, então?

-Acho que ele tem medo de ficar sozinho. Eles são do mesmo nível social, oque dá certa segurança pra ele como homem...

-Como assim?

-Ele só encontrava moças interesseiras, oportunistas... Dessas que só querem saber de dinheiro. Daí conheceu a atual. Bem num dia em que ele estava chorando as pitangas por causa de uma “desalmada” aí. Uma modelo linda linda, só que tão ambiciosa que partiu o coração dele. Foi a única que ouviu sobre casamento da boca dele. Acho que a verdade é que ele se fechou, e esta com essa moça só por carência.

-Mas ele é fiel?

-haha, oque? Fiel? Só cachorro, gato e periquito, amiga! Ele continua o mesmo, eu te disse. Esse namoro, como eu te falei, é só uma questão social. Por isso é que ele não termina.

-E ela não sabe disso?

-Claro que sabe. Mas finge que não vê. Ela também tem asinhas e voa pra todo lado. Além do mais, é filha de um dos sócios, e se os dois terminassem, as coisas iam ficar instáveis aqui na empresa.


-Instáveis do tipo... Perda de capital?

-Isso com certeza. Doutor Egidio só tem ela de filha, e é o interlocutor da maioria dos investidores... tem uma longa e sólida carreira de engenheiro e conhece muita gente influente e importante. Seria uma catástrofe.

-Nossa... que horror. Então, pelo bem da nação, vamos paparicar a pobre menina rica e usar óculos de sol pra não sermos pegas olhando pro bibelô dela!

-Sim, sim! Mas agora, vamos almoçar?

-Com certeza, tô morrendo de fome!




-Ah Finalmente é sábado!

-E com Nara no Rio, eu tô sossegado!

-Depois diz que é a mulher da sua vida. Não aguenta ficar com ela por perto.

-Ah mas isso é a minha maneira de viver. Eu preciso de espaço, hã? É só isso.

-Ela que é grudenta. Como uma mulher grudenta pode ser tua alma gêmea?

-Olha Frazon, ela é grudenta as vezes. Porque noutras, como agora, ela adora viajar. Oque significa liberdade pra o menininho aqui. Que outro relacionamento seria melhor que isso?

-Isso quer dizer “relacionamento aberto”, é isso?

-Non, claro que non. Isso quer dizer que eu posso respirar.

-Ah tá, e ela? Se os dois “respiram outros ares”, isso significa relacionamento aberto, meu bem.

-Non confunda os termos Frazon. Nara é uma mulher mimada. Ela gosta de passar o dia em spa, ou tomando sol numa praia ou na piscina, comprar e essas coisas. Isso non significa que ela vai sair por ai pegando todos non... já pra mim, por outro lado...

-Então, em sumo, isso não tem nada haver com amor. Muito menos o amor da sua vida, amigo.

-Frazon, isso ai é coisa de novela, hã? Deixa essa parte pra Robertinha, que ela entende bem. Isso aqui é vida real, hã?

- O que significa que você falar que Nara é a mulher da sua vida é na verdade baseado na relação “menos pior” das que você teve antes.

-É uma questão prática. Ela estava lá disponível, era filha do meu sócio, estava tudo nos conformes.

-Isso é tão broxante. Que coisa de interessante realmente esse relacionamento pode ter, Claude?

-Algo como um fim de semana inteiro de vale night, meu bem.

-Ih sai pra lá com essa de “meu bem”. Você não faz meu tipo.

-Cala a boca, imbecil.

-Olha, eu acabei de me lembrar que marquei com uma morena espetacular hoje pra almoçar...

-Ei como assim? E eu?

-Você oque? Se liga, ô! Onde que vou deixar uma morena linda de morrer como a Kelly esperando?

-Tá bom, já entendi. Você tem todo direito. Non tem culpa de Nara ter viajado. Se ela tivesse avisado com antecedência...

-Mas e a baixinha?

-Oque tem ela?

-Ligou ou alguma coisa?

-Non... Também, ela nem sabe meu nome direito...

-Mas você levou ela no seu apartamento não foi? Ela pode ter deixado algum recado..

-É... aliás, vou ligar agora mesmo pra casa e perguntar à Dadi.

-Você podia dividir ela, né?

-Oque? Frazon, que história é essa? Tá maluco é? Dividir a mesma mulher com você? Daqui a pouco vai me aparecer atrás de Nara também!

-Ai, cruz credo, francês. Atrás daquela lá, nem que fosse a ultima mulher no mundo! Mas eu nem tava falando da baixinha, ô mente poluída. Tava falando de Dádi, a governanta, hã? Ela faz umas comidinhas maravilhosas... você podia era me emprestar ela dia desses..

-Ah. Mas aí é que eu não divido mesmo. Imagine. Dadi é só minha, hã?

-Francês, você é um possessivo desalmado e machista também.

-Machista? Mas no que se encaixa essa afirmaçon?

-Ué, só você pode sair com outras pessoas e Naja, digo, Nara, não pode... e ainda reclama dela.

-Frazon isso é problema meu, tá?

-Ah quer saber? Já vou.

-Vai, vai, mesmo, amigo da onça!

-Um dia você ainda vai agradecer aos céus o privilégio da minha amizade seu desalmado. Olha eu desejo a você meu amigo, a melhor das coisas pra curar sua amargura: que se apaixone de verdade, e dez vezes mais do que se apaixonou pela estúpida da Camila. Aquela mulher era uma cobra ainda mais venenosa que Naja, digo, Nara. Mas você precisa botar um freio nisso, amigo. Cara, mulher é bom, mas elas tem sentimentos também. Nem todas são como a sua ex ou a sua atual, que é tao interesseira quanto. Querido, viva direito, Claude! Ó: respira, inspira, e vai!

-Vai continua! Non tem mais? Vou aproveitar e filmar, fazer um site na internet: “Frazon, o guru do amor.”

- Agora me desinspirei. Mas ainda tá valendo, ein? E minha palavra é pior que de mãe, é pá pum!





Eu sei, eu sei. Mas prometo que chego cedo, irmanzinha.. vai, deixa eu ir?

-Tá, tudo bem. Além do mais, você é maior de idade. Mas vê lá, ein? Não vai se meter em problemas, hã?

-Euzinha me meter em problemas? Que isso Fina, até parece. Você é que é mestre nessa arte.

-ah, pior que tenho de admitir dessa vez... mas então me prometa que não fará oque eu faço, hã?

-hahaha prometo.. mas e ai? Você vai ficar aqui sozinha?

-Não sei bem... mas acho que é provável que eu saia com o Sergio.

-Ah, jura?- a garota revira os olhos- Nem imaginava...

-Terezinha! E isso é só porque ele quer ver minha amiga do trabalho de novo...

-Sei... a que você supostamente dormiu na casa, na terça?

-Supostamente?...

-Você mente muito mal, irmãzinha. Mas vou fingir que acredito. Bom, tá na minha hora!

-Cuidado, hein? E mesmo se eu não estiver aqui, dona Joana ficou de olhar a que horas você vai chegar, viu? Então nada de tentar me enganar!

-Outra vez Fina, eu tenho de discordar dessa inversão de papéis.

-Mas eu sou a mais velha!

-É .. só que... - Terezinha ia se gabar de ser mais sensata, mas alguém bate na porta - ah, é o Milton.. Boa noite, Fina!

-Boa noite, Terê. Juizo, e olha a hora viu!

-beijo!- se despede da irmã, que revirava os olhos sorrindo.


Claude... porque não conseguia se esquecer dele? Do sorriso, da voz profunda, do jeito solene e malicioso ao mesmo tempo? Da temperatura do corpo dele ou de como a olhou? O último beijo que trocaram...

-Esquece, Serafina. Esse cara é só um mauricinho típico, morando num arranha céu e enchendo a cara rotineiramente. Ah Dio mio, ayuta!

-Fina!

-Já vou, Sérgio!

Os dois caminham até o ponto de ônibus. Sérgio não parava de falar e fazer perguntas sobre os gostos de Janete. Rosa achava engraçado todo o interesse dele na amiga. Mas entre uma pergunta e outra, ela se perdia a pensar sobre o tal “Claude”.

-Olha, é o nosso! - uma voz seguida de um som de motor e o vento vindo do movimento do ônibus a despertaram do transe. No trajeto, Rosa pensara em como sua vida estava diferente do que ela imaginara. Se os pais ainda vivessem ali, com ela e a irmã, as duas teriam uma rotina bem diferente. Perderiam e muito a liberdade que tinham agora.
Mas ela preferiria que tudo fosse como antes. Quando seu pai era um senhor tão forte e saudável e cheio de vida. Depois da doença nos pulmões, fruto de tantos anos respirando poluição ao vender balas junto à rodovia em frente à uma escola, nunca mais fora o mesmo. Ir para o interior foi com certeza a melhor das ideias, oque acelerou e otimizou a recuperação de seu pai tão amado. Mas oque ele diria ao ver suas filhas saírem a noite, e naquela frequência? Ou saber que depois do noivado mal sucedido com Júlio, Rosa não se guardara mais?

-Tudo bem que foi só naquela noite... mas...

-Oque disse, Fina?

-Nada! - Rosa se espanta ao perceber onde estava.

-vem, é aqui que a gente desce.

A boate dessa vez era bem diferente da outra. Tinha bem menos pessoas, era mais como um lounge bar. Com uma cantora ao vivo, e mesas decoradas com um jarrinho contendo uma rosa dentro de cada um.
Rosa reparou no pianista careca e rechonchudo, vestido impecavelmente, apropriado ao estilo do jazz que tocava. A cantora, negra e glamourosa, se contorcia na mais envolvente apresentação que presenciara.

-Nossa... esse lugar é tão...

-Ual..

-Eu ia dizer elegante. Mas “ual” define.

-A Janete... tá ainda mais linda..

-ela sempre está linda, Sérgio.

-Quem sou eu pra descordar.

Entre os olhares do casal, Rosa se acomoda na cadeira de madeira alcochoada de um tecido verde aveludado. Tentava se distrair e olhar as pessoas ao redor. Mas era tudo tão calmo e tao romantico que ela precisou pedir licença e ir tomar um ar do lado de fora.

Se lembrou de quando Júlio a pedira em casamento... foi num lugar como aquele. Um pouco mais simples e sem a figura da cantora. Mas havia um pianista tocando Blues e cadeiras acolchoadas. Havia tambem um anel de prata e champagne.

-Com licença, por favor? - uma voz soa ao mesmo tempo que mãos pousam em seus ombros, como quem pede passagem. E ela estremesse ao reconhecê-las. Não apenas a voz, mas também as mãos. Ela chorou por dentro. Preferia nunca mais vê-lo.

-Perdão. - Rosa dá um passo para o lado sem se virar, para ceder a passagem. Permanece de cabeça baixa, rezando para que o moço desaparecesse de repente, assim como chegara.

-Non, Rosa, eu non quero passar. - ele suspirou, ainda tendo as mãos nos ombros dela, que se retesou ao ouvir seu nome.

-Claude... - ela finalmente se virou para ele, que a surpreendeu com um beijo urgente.

-Eu sabia que a gente ia se encontrar de novo!

-Ah é? E como? Colocou um rastreador na minha bolsa, foi?

-Non...- ele sorri, sentindo um borbulhar no estômago. Ela era tão esperta! E a forma como ela se encaixava a ele, o olhar... - mas non seria má ideia, hã?

-O que faz aqui? Está com alguém? - ela suspira

-Na verdade non. Sou um solitário, sabia?

-Ah, finjo que acredito.

-E você, está acompanhada?

-Estou de vela. Um casal de amigos me obrigou a vir. Disseram que ia ser legal, mas a única coisa legal aqui é que tem cadeiras com veludo e uma cantora de Jazz.

-Ah, tadinha. Mas e a bebida, é ruim?

-Meio cara. E também, depois daquele dia, prometi não beber mais.

-Fez promessa a qual santo? Nossa senhora dos desesperados?

-Quase isso.

-Se arrependeu?- ele pisca, ainda a abraçando.

-De quê?

-De mim.

-De você? - ela sorri, ele acente divertido. - ainda não decidi.

-Que bom. Enton, ainda há esperança.

-Esperança de quê?

-De você aceitar sair comigo de novo.

-E a gente já saiu junto antes?

-Bom, aí depende do seu ponto de vista. Falar nisso, tive uma ideia... - ele sorri e a olha de forma enigmática

-O quê? Que ideia?- ela pisca sem entender. Claude a beija

-Só... vem comigo?

-Pra onde?

-É uma surpresa. Vem? - ele faz biquinho e cara de cachorro sem dono. Os dois sorriem um olhando nos olhos do outro.

-Tá... vou pegar minha bolsa.

-yes! - ele ri. - ei, Rosa?

-hum? - ela se vira pra ele, que a surpreende com outro beijo

Rosa não se lembrava do carro dele, nem de como fora parar no apartamento naquele dia. Mas se lembrava de ele olhar para ela a cada semáforo. Lembrava de seu anel prata e vermelho no dedo médio da mão direita, do cabelo sempre bagunçado...

-Chegamos!

-Que lugar é esse? - Rosa o olha desconfiada. Era um prédio parecido com oque ela trabalhava, mas tinha uma fachada diferente.

-A princípio, um prédio comercial. Mas é o que tem lá em cima que quero te mostrar.

-Não tô gostando do tom da conversa...

-Calma. Você vai gostar, eu prometo. Vamos?

-Já estou aqui mesmo... então vamos...

os dois entram num elevador de vidro. Rosa detesta aquela sensação e estremece. Claude discretamente segura sua mão, e vai se aproximando dela gradativamente. Quando ela percebe, está abraçada a ele, que a conduz por uma sala de restaurante pela cintura, e pede uma mesa perto da janela, que na verdade consistia numa enorme vidraça , de onde se tinha a mais explêndia visão da avenida Paulista.

-Nossa.. esse lugar é incrível!

-Você é incrível. - Claude a encarava, que sem graça responde

-Não, Claude. Eu sou uma mulher simples, de coisas simples. Não tenho nada de estraorinário. E provavelmente, não sei nada de que você não saiba.

-Ai é que se engana. Não sou tolo a ponto de subestimar alguém como você. Tenho certeza de que você é uma mulher excepcional. E acredite, eu sei oque digo.

-Bom, acho que deve mesmo ter bastante experiência no assunto. Agradeço, mas ainda discordo, para ser franca.

Os dois se olham comicamente, como se disputassem algo, mas de forma divertida. Até que um mâitre chega e Claude escolhe um vinho para ambos.

-Você é uma má influência. Eu estava indo bem com minha promessa. E agora veja só!- Rosa levanta a taça

-Ah, mas é só hoje. Tenho de te impressionar com alguma coisa... e se tem algo que eu conheça a ponto de me gabar, é vinho, hã?

-Não tem de me impressionar, Claude.

-Mas claro que tenho! Seria non fazer papel de homem, hã?

-Os homens são idiotas se acham que isso é que vale.

-Sabemos que não vale. Mas gostamos de ver vocês sentirem pena de nós e que nos consolem com beijos carinhosos, hã?

-Mas vejam só! - Rosa gargalha.


Havia uma pequena psicina decorativa, com luzes que refletiam no teto de pé direito bem alto. Uma mesa de quatro cadeiras e duas poltronas do outro lado. Mas os dois tiveram vontade de estar no confortável divã, e os dois ao mesmo tempo.

-Você vive aqui sozinho? - Rosa pergunta olhando as formas fantasmagóricas que a água refletia ao longo da parede até o teto.

-Na verdade non. Tenho dois empregados e um motorista que estão sempre aqui. Além de meu melhor amigo, que é como um irmom.

-Hum.. - ela o observa. Ele parecia pensativo

-Porquê? Tá pensando em vir me fazer companhia?

-Mas oque é isso?- ela ri, incrédula- Tá pensando oque de mim, hein? A gente mal se conhece... -

-Bom... se existe um estágio de intimidade mais avançado do que oque estávamos a pouco..

-Claude! - ela bate no peito dele com o punho. E ele lhe morde o lóbulo da orelha como punição.

-Non estou mentindo, estou?

-E além do mais, mesmo que eu quisesse isso. Você está em um relacionamento, esqueceu?

-Non é bem um relacionamento.

-Ah não, é?

-Bom... é um relacionamento.... enrolado. - ele sorri

-Que cafageste... - Rosa ri. Mas se recrimina por estar ali- Acho melhor eu ir.

-Ei, mas claro que non. - ele a puxa de volta

-É sério, Claude, eu tenho que voltar pra casa...

-Mas amanhã é domingo.

-É... Mas algumas pessoas trabalham no domingo, sabia?

-Você non.

-Como você pode ter certeza?

-Você non parece ser dessas que cometem o mesmo erro duas vezes. - Ele sorri e Rosa revira os olhos

- Mas cá estamos, não é?

- Acha que isso foi um erro?

-Provavelmente. Mas foi bom errar com você. - ela sorri e Claude lhe pisca

-Teve problemas, naquele dia? Você parecia atrasada.

-E estava. Só que deu tudo certo.

-Você é a garota do “sem problemas”.

-É... Quase. Nem sempre dá certo.

-Quer subir?- ele a encara

- Se eu disse que tinha que ir... - ela choraminga. Mesmo se sentindo tentada.

-Você non tem non... seja sincera. Escolha ficar aqui comigo...

-Claude... - Ela resmunga. Ele passa a beijar-lhe o pescoço

-Non seja malvada. Venha me consolar.

-E a mim, quem vai consolar quando eu acordar aqui e ver que não devia ter vindo?

-Eu vou. E irei convencê-la do contrário, eu prometo.

-Tem certeza? Acho que vou gravar isso. Porque se amanhã você quiser me expulsar ou coisa assim...

-Non diga bobagens. - ele sorri- No máximo eu te amarro ao pé da cama pra você non ir em bora.

-Ah, acho que vou em bora agora.

-Calma, bobinha, estava só brincando. Fico feliz em ver que non é como a maioria por aí. É independente, e livre.

-É eu sou. -uma sombra passa no olhar dela

-O que foi? - ele levanta a cabeça dela pelo queixo- falei alguma coisa errada?... quero dizer, muito errada, que te ofendeu?

-Não... - ela sorri sem graça. - não liga, não tem nada haver com você... é só...

-É só...

Rosa o olha por algum tempo e, mordendo o lábio o pegou pela mão e os dois caminharam até as escadas. De lá Claude a levou nos braços para o andar de cima.


Quando o despertador toca, Rosa o desliga imediatamente. Teve a sorte de ele estar bem perto, no criado mudo. Mas então percebe que algo a segurava. Algo como dois braços envoltos em sua cintura. Ela ficou séria. Mas em seguida se permitiu sorrir. E o mais de vagar que pôde, virou-se para Claude que ainda dormitava.
-Bonjour... - ele lhe beija o pescoço

-Bonjour... - ela ri da voz dele e aquele tom solene de mordomo.

-Pode me prometer uma coisa?

-E já começa o dia assim, meu garoto das solenidades? Com promessas?

-Oui, minha garota do sem problemas.

-Oque quer que eu prometa?

-Que non vai me deixar aqui sozinho de novo.

-Mas que isso? - ela ri- que carência toda é essa? É melhor você acordar, tomar um café bem forte, e aí vai se dar conta da tremenda bobagem que tá dizendo.

-Porque?

-Você não ia querer passar tanto tempo comigo. Eu sou bem chata.

-Ah, é? - ele a abraça mais forte, e ela suspira

-Na verdade, é ainda pior do que parece. E eu não sei cozinhar tão bem...

-Non importa, eu sei. -Claude lhe pisca um olho e ela levanta as sobrancelhas

- E nem sei lavar roupas sem manchar de alvejante.


-A gente leva na lavanderia.

Os dois riem, e se encaram. Se beijam e Rosa se encolhe no abraço dele.

-Como ela é?

-Quem? - responde de olhos fechados, já imaginando oque se seguiria.

-A sua namorada.

-A minha...

-Não sei como chamar o seu rolo. Seria a sua enrolada? - ela ri

-Non seja ton maldosa. Até parece que ela non fica com mais ninguém.

-E você não se importa?

-Na verdade non sinto ciúmes, exatamente. Non é que eu goste de ser corno, mas é que non sinto nada por ela e provavelmente nem ela por mim.

-Ela também é corna, se pensar bem. - Rosa revira os olhos- E também não entendo o fundamento de ter um rolo assim

-É mesmo complicado... até de explicar.

-Hum.. Quer ovos mexidos? Isso eu sei fazer!

-É mesmo? Vai me fazer café e tudo?

-Ei! Ninguém aqui falou em café!

-Mas ovos sem café...

-Esperava voluntários... - ela pisca, e ele a levanta junto com ele, a levando no colo

-Vamos fazer assim, primeiro um banho, depois o desjejum, hã?

-Parece sensato, senhor. - ela sorri, se dando conta de que vestia outra camisa dele, só que essa era azul clara e lisa.

-Non fale assim, parece minha professora da faculdade.

-É advogado?

-Non.

-Entao oque?

-Você terá de adivinhar...

-ah não tem graça!


Os dois descem, e tomam café em meio a sorrisos e beijos. O celular de Rosa toca. Terezinha querendo saber onde ela se metera. As duas prometeram almoçar na casa da mãe de Miltom, e a moça estava possessa por a irmã não estar lá ainda.

-O que foi? - Claude a observava

-Era minha irmã. Esqueci que hoje fiquei de almoçar com a sogra dela..

-Ela é a mais velha? - ele a puxa para seu colo

-Até você?

- Eu oque? - ele sorri

-Ela é mais nova que eu quase dez anos, ouviu? Não sei porquê dessa mania de dizerem que eu sou a caçula. Nem sou tão desmiolada assim!

-Non te acho desmiolada. Mas ela parece ser a mandona da família, hã?

-Isso é verdade. É bem coisa de caçula, ser mimado e ter isso de “agora, porque eu quero”. - Rosa revira os olhos sorrindo. E ele lhe dá um selinho

-Oui..

-E você não tem irmãos?

-Non... non tive essa sorte..

-E acha isso sorte? Dizem sempre que é melhor ser filho único...

-Talvez... mas quando se tem primos.Mas no meu caso, sou filho único de filhos únicos... meus pais se foram e eu fiquei só.

-Nossa... tadinho! - ela toca o rosto dele e faz biquinho, numa zombaria tão branda que ele sorriu e a beijou

-Sabia que você foi a única pessoa que non me deixou com pena de mim mesmo por isso?

-Eu sou a garota do sem problemas.

-É sim. - Claude acaricia os cabelos dela, que o beija repetidas vezes

-Acho que agora é oficial. Tenho que ir.

-Non vai nem me deixar te levar em casa?

-De jeito nenhum. Você não sabe oque são meus vizinhos. São como medusas com vinte cabeças e com veneno em dobro.

-Nossa, acho que eu non ia querer conhecê-los, né?

-Não mesmo.

- Non estou convencido.- ele sorri e faz cara de incrédulo,

-Ficaria surpreso ao ver que falo sério.

-Está me enganando.

-Não.. -ela ri da birra dele e o beija

-Nos veremos de novo?

-Eu prometo

- Me disseram para non confiar nas mulheres.

-Eu te digo o mesmo. - ela lhe pisca e ri