sábado, 18 de janeiro de 2014

Capítulo 55- Chasm





Le Eternel Amour

Tulipe Rouge








Vozes e mais vozes vindo de dentro da sala, mas ninguém chama meu nome.
E embora esteja à beira dum mar de tédio, algo me agita interiormente. Como um mau presságio...
O leve e conhecido taqui cardia e as pernas que se balançam sozinhas..


Fechando os olhos, imagens desfilam em minha mente, como lembretes de que não posso ignorar um aspecto se quer da vida.

Um rosto. Um sorriso. Não um rosto ou um sorriso lindo. Longe disso. Mas meu sinistro irmão. Sua expressão sinistra, seu sorriso sinistro. E então cobriu o rosto com o capuz mais uma vez, para escapar dos flashes e perguntas dos repórteres na entrada do fórum.

Havia algo maligno naquele sorriso. Não parece uma expressão de arrependimento ou algo do gênero. Evidente que se suspeite que ele vá tentar burlar as leis e no final acabar numa clínica psiquiátrica mais parecida com um spa.

Porém  não é sobre se safar, é sobre a vingança que ele jurou contra a família Geraldy. O brilho nos olhos continua o mesmo.
 Sombrio e profundo como um abismo de maledicências...


Rosa



- Droga, droga, droga! Isso não vai acontecer, Rosa, é tudo sandice de sua cabeça!

-Isso! Repete isso e se acalme! Não adianta correr tanto, Rosa!

-Jane, não me deixe mais nervosa do que estou!

-Como se isso fosse realmente possível. Trouxe os super poderes? 

-Oquê?

-Os super poderes! Sim, pois então como pretende salvar o mundo hoje?

-Janete!

-Rosa, acalme-se logo. Você não pode achar que tudo é sua culpa. Seja oque for que acontecer, não depende de você. Acredite maninha!

-Eu sei. Mas talvez eu possa dar um jeito, sei lá!


Mal freio e já sinto o impacto. Não apenas do volante contra o peito, ou o grito agudo de Janete, mas o impacto de saber que o que eu temo pode estar acontecendo nesse mesmo segundo.

Pela hora, possivelmente Claude está lá sentado diante do júri e todas as testemunhas. O senhor Geraldy cabisbaixo numa cadeira de rodas e com uma enfermeira do lado, com um respirador a postos. O próprio filho tentou matá-lo duas vezes. E sequestrou e torturou o irmão. E matou Jean, seu filho predileto. 
E  o réu ,energúmeno, ainda sorri. Sim, pela imagem que um repórter conseguiu capturar, segundos antes de Carlo entrar ao tribunal.

- Olhe Rosa! - Janete me segura pelo braço e aponta para a direção oposta à nós- O carro do sr.Henry Geraldy!

-Rachel!- grito enquanto perco o fôlego por correr

O motorista, que não é Alfred, arregala os olhos e procura uma maneira de virar o carro desesperadamente.
Me ponho à frente e bato no capô

-Deixe ela sair, vamos! Deixe ela sair! Abra a porta! Rachel! Rachel!- Ofego em meio às lágrimas que descem por minhas bochechas, vendo o carro dobrar a esquina em alta velocidade, com Rachel desacordada no banco de trás.

Corro ainda alguns metros, antes de ver a cena mais assombrosa que poderia ver.



Janete


Acabei de sair de um plantão de 20 horas seguidas de U.T.I neo-natal, e meus olhos ardem de sono. Mas não poderia deixar Rosa sair de casa tão agitada, e achando que algo realmente terrível pudesse acontecer. 
Pena que ela estava certa. E pena que não há nada a se fazer a respeito.

O carro do senhor Henry Geraldy disparou em alta velocidade deixando Rosa aos prantos a chamar  por Rachel.  Um carro azul marinho passou como um vulto pelo farol aberto que o motorista do Mercedes de Henry Geraldy na "pressa", ignorou. Os dois carros chocaram-se com tamanha força que um deles, não sei ao certo qual (pois fechei os olhos), rolou por cima do outro. Outro carro se juntou a eles e, embora com menos violência, chocou-se com o mustang azul marinho, ou com o que sobrou dele. 

Rosa estava de joelhos no chão, com as mãos na cabeça como que tapando os ouvidos. Mas duvido que isso tenha impedido que os gritos e buzinas invadissem seus ouvidos. 



Claude





Onde Alfred estaria? Rachel insistiu em visitar meu pai. Mas meu pai, surpreendentemente, também quis comparecer ao julgamento de Carlo. E acomodou-se ao lado do Brigadeiro que eu tanto admirei por toda minha estadia na Aeronáutica da França. Os dois me olhavam igual.
 Uma mistura de aprovação e resignação. Seja como for.

Carlo só ergueu os olhos traiçoeiros ao ouvir o veredicto: "Culpado de todas as acusações". O sorriso ainda estava lá, mais brilhante do que antes.
Ao sair, colocou o gorro, ainda no corredor rumo à porta de saída, algemado e escoltado por dois policiais. Mas parecia que estava indo por conta própria, a passos seguros.


E agora tenho tempo de pensar em muitas tragédias enquanto a demora de Alfred com Rachel me consome.

 Devia ter pedido que a levasse direto pra casa de Rosa, isso sim.
Ou devia simplesmente ter dito não a meu pai. Mas como negar?
Ele tem andado muito persuasivo ultimamente....
E não é a debilidade. São os malditos olhos de vovô, tristes e sempre marejados.
 Devia ser crime!


Rosa


- Rachel, oquê?! - O grito de Claude ecoou em meus ouvidos, e mal percebi que ele me sacolejou com tanta força que seus dedos se imprimiram em minha pele. O tanque da Mercedes explodira. Tudo era fogo, luzes e sirenes.

Desta vez, não houve segundas chances. O abismo estava ao nosso redor. Caímos.









Aquela sensação de estar presa a um pesadelo, onde você apenas vê tudo acontecendo e não pode fazer nada. Não pode mudar nada. Aí você acorda e descobre que não era pesadelo. E que mesmo assim, você ainda não pode fazer nada. E saber ou não que é real, também não conta.
Meus olhos observam as pessoas atravessando o corredor do hospital, jalecos indo e voltando, apressados. E o olhar languido da mãe com a criança chorando nos braços, ou os olhos tristes da senhora esperando no banco à frente.

-Você... Não quer um café?- Janete me pergunta, com tanta cautela, que chego a achar que ela tema que eu avance nela

-Oh, não, obrigada. - respondo.  Os meus olhos parecem mortos, eu sei. Porque ela me olhou piedosamente, igual alguém olhando para um moribundo.


Apesar de que Claude não deve estar olhando com olhos tão bondosos para o irmão bastardo e moribundo dele. Deve estar lá, o fulminando e se perguntando o porque de Carlo ter voado pelo vidro, e ainda sim sobrevivido, quando sua pequenina filha tão amada vitimou-se da vingança e ódio de seu pai biológico.

 É tão confuso saber que Claude era tio de Rachel e Carlo seu pai. E agora, ninguém é mais nada, porque ela é mais um anjinho junto a Deus.

Me culpo tanto! Eu deveria ter insistido mais para que Rachel ficasse conosco em casa!
Mas sei que de nada adianta. O que é pra ser é. E além do mais, não tenho uma máquina do tempo.
Sei que remorsos só me prenderão ainda mais ao passado.


Claude


-Como pode ser? Você entrou na minha vida, só pra matar, roubar e destruir! Parece que estou falando do próprio diabo!


Mas aquela figura estúpida e débil não me responde nem mesmo com uma piscadela. Ele está estático, olhando o teto com olhos arregalados e lacrimejando. A boca treme e os braços se sacodem periodicamente. Não sei se ele recobrou a consciência. O  policial que entrou comigo pigarreia.

-Acho que ele não pode te ouvir, senhor Geraldy.

-D'acordd. -Fecho os olhos por não suportar mais encarar Carlo e não poder discutir com ele, ou apertar-lhe a garganta

-E acho, que o destino já se encarregou de vingá-lo, monsegnor.

-E porque?

-Olhe para ele! É apenas um vegetal. E suponho que ainda que acorde desse  transe, quando se der conta de que é responsável pela morte da própria filha...

-Basta! - Me viro de supetão para o policial- Peço que por favor não repita esse comentário, ouviu? Ela era minha filha, minha! Era minha vida! Meu tesouro! Este ser aqui, é um psicopata que teve coragem de destruir a minha família, e rir por cima dos destroços! Ele atirou no próprio irmão, sequestrou a filha e o próprio pai! Ele não merece a compaixão nem mesmo de um cão!

-Nenhum de nós merecemos, meu caro.- ele põe a mão no meu ombro e sai da sala,  me deixando perplexo a pensar sobre como essas palavras são verdadeiras. 


Deus me deu, e Ele mesmo tirou.





Janete


Se existe uma coisa, na faculdade de medicina, que não ensinam na arte de ser médico, é essa parte em que a pessoa querida morre, e você não é Deus para ressuscitá-la e tem de dizer isso aos parentes. E se tem uma coisa ruim em ser médico, é que você não espera que isso vá acontecer com você, que terá de assinar óbitos. 

A gente sabe que não é Deus, mas sempre sentimos que somos próximos dele. Ajudadores dele como os duendes do papai noel. 

E então, enquanto o coração do paciente bater, e até depois disto, confiamos que tudo dará certo. Mas as vezes Ele tem outros planos, e aí nos damos conta de que as nossas limitações são incontáveis.


Como eu gostaria de trazer Rachel de volta!

A alegria nos olhos de Rosa de volta! Como o mundo pode girar 180 graus assim, sem aviso prévio? Logo agora, quando eu pensei que finalmente, a Bel ia ser amplamente feliz, em anos!
O destino parece se divertir muito conosco. A sensação é de que é isso em que consiste a nossa existência: experimentar uma pitada da felicidade e jantar uma funda tigela de tristezas.

Não é justo!

Eu que sempre fui "a otimista", estou me sentindo uma pessoa cada vez mais melancólica...




Caleb


Tio, fala logo, oque que tá acontecendo, ein?!


- Shiu, Caleb! - a mão dele me segura a testa, para impedir que eu avance no telefone

-Mas eu quero falar com minha mãe, agora! Agora!

-Rosa, depois conversamos, preciso desligar.

-Não tio Sérgio, não! - meu protesto é inútil, ele guarda o celular no bolso e me olha com o rosto inexpressivo. - Oque foi, afinal?

- Sua irmã / prima, morreu.- ele responde simplesmente.

-Q-que-que-quem? - caio de costas sentando no sofá

- Rachel. A Rachel está morta.

-R-Ra-Ra-Rachel?- o nome entala na minha garganta. Os olhos ardem e parece que vou chorar. Ou vomitar. Ou chorar e vomitar, ao mesmo tempo.




Minha mãe chega, abre a porta, e vem correndo me pegar no colo, como se eu ainda tivesse 5 anos. Claude parece um zumbi. Joga as chaves na mesa, e senta no braço do sofá. E não consigo ouvir oque ele e tio Sérgio conversam, porque minha mãe me leva corredor a fora em seus braços. Dificil ver ou raciocinar com essa dor de cabeça, e os olhos jorrando água. Talvez eu ainda tenha mesmo 5 anos de idade.


Vamos para Marseille amanhã de manhã, depois do enterro. Mamãe disse que Rachel vai ficar ao lado da mãe dela, a bailarina ruiva de olhos triste do álbum de capa roxa, o de Jazz.
 Em pensar que ontem nós dois estávamos sentados no carpete da sala, olhando as fotos e as tablaturas de piano. A gente não ria muito, mas estávamos nos dando bem, até. E depois que o Claude veio e falou comigo, contou coisas e alguns segredos, eu me senti melhor sobre ela. Mas agora, me sinto muito mal. É como se eu a tivesse matado, por ter desejado que ela não existisse.


-Não fique assim, amor. Ela vai sempre estar conosco, em nossos corações. - Minha mãe enxuga meus olhos, mas esquece de enxugar os próprios, sorrindo tão de leve que mal se nota- Ela com certeza nos amava como sua família, e nós amamos ela, não é?

-Mas agora ela esta morta. - Digo sem encará-la

-Deus achou melhor recolhê-la. Ela foi uma criança muito boa, e muito amada também.

-Se a senhora tivesse ouvido as coisas horríveis que eu disse à ela, mamãe! - Começo a soluçar novamente. Mamãe me abraça

-Caleb! Caleb! Vocês se davam bem! E vocês se desculparam, não desculparam?

-Sim... Mas o que eu disse...

-Caleb, ela te perdoou. Agora vamos, temos de nos aprontar para o velório. E seu avó está vindo também.

- E... a... a coisa?- pergunto de cabeça baixo, com medo da resposta.

-A... a coisa? A quem se refere? A-a-ao seu pai? Claude é a coisa?- ela me observa atentamente, com mais receio do que eu

-Ah, nã... Não. O Claude não. O... o.. Car..

-Oh! - Ela me abraça como que para me calar- Não filho, não diga o nome dele aqui.

-A coisa mamãe. O que houve com ele? Está... Está morto também?

-Não. - Ela responde depois de uma pausa. - Mas é como se estivesse.