domingo, 25 de setembro de 2011

Capitulo 46- As mariposa na lâmpida



Le Eternel Amour
Tulipe Rouge


Cobri todos os espelhos com lençóis brancos, para que Alice não fique ainda mais triste. Tão calada tão... frágil... espero que fique boa logo... espero ouvir risos e vozes de crianças brincado... Porque tudo oque tenho visto neles é uma estranha maturidade... uma maturidade que veio de sofrer eu sei... Mas não quero isso. Não aceito... pois tudo oque eles têm tido são conversas... Olhos um tanto pensativos, distraídos, até.... Mas firmes... sem choro algum.

- Recebi uma ligação da Rússia...

- Mesmo? e... de quem?

- Dun... aquele meu amigo lembra?

- Ah... o do cabelo enrrolado...

-É... ele me deu uma excelente notícia!

-mesmo?

-hunhum

- e não vai me contar?

- Sei não... acho melhor fazer surpresa!


Rachel


-Dáaadi!


-Olá meu amor... mas que saudade!

- Dádi... Cadê meu pai?

- Não se preocupe... que logo ele aparece!

Esta era uma conversa de quase todos os dias... depois da escola.
Papai não chegava às cinco como eu... mas sim às seis. E essa hora eu aproveitava pra ficar no quarto dele, ouvindo músicas e vendo os álbuns de família que ele escondia de mim.
Meu tio Jean... parece tão gentil...tão convidativo... só de olhar dá vontade de contar um segredo pra ele.  Ele parece ser compreensivo... mas não compreendido...
De qualquer forma... sei que não vou poder confiar nada à ele. Ele não está aqui pra me ouvir. Mas papai agora também não.
Queria ter conhecido o tio Jean... ele se parece muito com meu papai...
Queria que estivesse aqui... Pra poder dizer que eu sinto falta do papai. Que queria que a Rosa fosse minha mãe... Que estou com medo... que sinto um frio na espinha...

Chegou uma moça na casa... a mãe da menina de rosto cortado... Ela parece tão infeliz... mas porque? Se tem o pai e a mãe dela pertinho dela? Todos os dias?
As minhas amigas também eram assim... Difíceis de se satisfazer... Queriam sapatos novos... novos celulares... Festas e presentes caros... As vezes eu ficava triste por não ter tudo como elas... mas agora eu sei...  eu sempre tive TUDO.
 E meu pai certamente é meu bem maior.


Rosa


Papai... eu sempre soube, na verdade. Eu sempre soube, alguma parte de mim tinha toda a certeza. Eu sinto muito papai. Não consigo ficar triste de saber que ele está vivo. Isso é estranho o suficiente pra eu não querer mudar nada. Nem meus conceitos. Papai, eu aprendi, ouvindo as musicas que você ouvia, lendo os livros que você leu...  Acredito que eu sei, tudo oque em tese, você teria me dito. Eu não me importo, se eles acham que sou estranho. Não me importo se dizem que sou um nerd órfão. Não me importo da Rachel existir, não mais. Na verdade, nem sei do que eu estou falando. Mas gostaria de ouvir sua risada, a mamãe diz que era a coisa mais maravilhosa de ouvir. E que quando você ria, todo mundo ria também. Estou aqui, escrevendo no seu caderno, em sua memória e homenagem. Que o Claude esteja bem, papai, cuide dele. Que ele possa ser quem o senhor tanto sonhou que ele fosse. E no momento, o mais importante: que ele seja um super herói. Que ele faça jus ao fardo que lhe foi dado. Aquele homem é meu pai, e espero que ele queira a mim como filho. Sempre vou te amar papai, e vou te enxergar nele, eu prometo. E que ele te enxergue em mim também!

 Não sei se choro, se rio, se me debato. Oque sentir nessa hora? O Caleb saiu correndo e fechou o caderno, mas eu abri na página certa, mas talvez na hora errada. Acredito que não estou preparada para saber o que o meu filho está sentindo agora. Nem mesmo para suportar aquilo que eu sinto. O meu amor, o Jean, se estivesse aqui, me sustentaria. Mas como ele não está, me sustento nele mesmo assim. Em saber que ele me diria que tudo ficará bem, eu fecho os olhos e penso nele, e no suporte que ele sempre foi pra mim.
Nos dias de crise, ele me fazia rir. Sim, e só ele conseguia! Se o Tony estivesse aqui, ele me diria para esquecê-lo. Para esquecê-lo e seguir em frente.
Mas nisso ele está errado. É exatamente pela vida dele, e pelo que oque significou na minha vida, que eu vou conseguir. Vou ser forte, e vou seguir em frente. E tomei uma decisão. Se o Claude realmente quiser, ele será o pai do Caleb.  E seja oque Deus quiser!

Janete

Eu me sinto esquisita, e parece que acabei de acordar na banheira. O vapor no espelho, os frascos na penteadeira. Tudo como sempre, como se fosse mais uma manhã entre todas. Tudo oque consigo pensar, é no meu marido, em minha filha. Nos olhos deles brilhando  e em seus sorrisos abertos me recebendo num abraço. A minha cabeça ainda está confusa, mais oque sei é que tive sorte, não morri, eu prevaleci. Eles cortaram meu cabelo, e depois me jogaram numa rua lamacenta, num país desconhecido. Só Deus sabe como cheguei a Moscou, e encotrei Dun. Ele quase não me reconheceu, eu estava suja, com cobertores nas costas, e falava arfando, por causa duma bruta pneumonia que contrai. O resto, foi hospital, soro e muita dor. A ironia é que o lugar que antes era pra mim entre todos o que me causava mais entusiasmo e energia, desta vez pareceu sugar toda minha fé. Parecia que eu jamais sairia de lá. Como alguns dos meus primeiros pacientes, no começo de tudo. Mas agora, eu era a doente, e meu remédio, era algo que ninguém ali conseguira me dar.

- que alegria! Encontrar vocês pra mim é a coisa mais preciosa neste mundo!

Sérgio nos abraça. Alice chora e ri ao mesmo tempo.


Le Cordier


Hoje queridas leitoras, em minha coluna MULHER, venho agradecer o apoio que todos têm me dado. E não só meus familiares, mas todos os amigos e meus amados leitores, dos quais tenho recebido cartas e e-mails de incentivo. Merci. E venho através desta publicação informar que minha cunhada e minha sobrinha estão de volta, assim como Rachel, a pequenina priminha de Caleb, meu filho. Estamos aguardando apenas o retorno de Claude, pai de Rach e filho do diplomata Henri Geraldy. Peço a ajuda de vocês mais uma vez, e conto com ela pois sei que é certa. Continuo a escrever e a pensar sobre a força que tem o amor e a esperança, além da fé. Sabendo que o amor é a maior e mais forte força que há, nos concentremos nele. Em amar a cada criatura deste mundo como a si próprio. Dando para receber e recebendo para de novo dar. Sem amontoar tesouros que a ferrugem corrói e que a traça consome. Vamos nos doar mais, vamos sorrir mais e chorar mais também! Fica a dica,
bisous a tout, pour tojours,

 Serafina Rosa Petroni,

editora chef da Le Cordier

Com um sorriso no rosto, eu abaixo a revista, e olho para minha família linda. Alice ainda está amuada, observando a aveia escorrer junto com o leite da colher repetidas vezes. Sérgio está estranho também, mas pelo menos come. Muito e muito rápido. Mas sei que é só um rastro deixado pelo impacto. Já passou. Agora torço pela Rosa. Torço pra que ela encontre o Claude. Que eles finalmente se entendam. Sei que é isso que está pra acontecer. Eu sei, eu sinto as coisas.E, assim como eu sabia que jamais daria certo com o Tony, desde o momento em que vi o Claude passando, lá na frente do restaurante do pai da Rosa, eu soube que é assim que terminaria: era perfeito. O Tony certamente não iria se opor, sei que no fundo ele queria isso. A Rosa não pareceu nem reparar na existência do Claude, mas eu vi que ele estava era louco por ela. Mesmo ele tendo aquela noiva -gótica e patricinha ao mesmo tempo- dele. Eu sei que o Caleb é a confirmação de que eu estou certa.



Rosa


-quê?!- engasgo. Janete se mantém firme. Sua aparência está voltando ao normal, aos poucos.

- ah eu estou cansada desse seu espanto ensaiado. Você sabe sim do que eu estou falando Rosa, não disfarça.

- sabe que eu não gosto deste tipo de conversa Jane... e não quero tocar no nome do Claude... a Rachel pode ouvir! Ela está tão triste...

- eu sei que a Rach sente muita falta dele... mas não desvia, eu estou falando de você...aliás, de vocês...

-Bah

- E, se você disse a verdade, vocês passaram um bom tempo grudados, procurando os “abduzidos” não foi?

-Ráaa engraçadinha, fala como se você não tivesse na parada. Mas então, você acha mesmo que pode ter havido clima em meio ao apocalipse? Janete!

- Mas é claro que acho! É em tempos de crise que as maiores e melhores revoluções acontecem! E já tava na hora! Vai ver tudo isso nada mais foi do que a resposta do universo à demora de vocês em admitir de que são perfeitos um pro outro! Sob medida! A resposta e solução de todos os problemas!

- Janete! Dio santo ! Como você é maluca! –rio, saudades disso- ah, que coisa, você não muda!

-E acha que isso seria possível? Ai sim você está equivocada! Mas eu tenho toda a razão, e no fim, você há de admitir!

-hum...- balanço a cabeça... espero que eu tenha a chance de escolher algo assim. -Que o Claude apareça e ai prometo que penso no assunto!

- Ih mas eu não seqüestrei ele não! Ou acha que sou a gênia da lâmpada?

- Da “lâmpida” como canta Adoniran Barbosa!

- Do que estão falando?- caleb chega acompanhado da sempre quieta Rachel, os dois sentam á mesa.

- ah de uma música antiga e engraçada.... quer café no leite?

- leite no café. Agora, conta, ou melhor, canta a música?

- ah de jeito nenhum!

- porrr favooor?- Alice chega e senta também, agarrando uma caneca que Janete enche de leite

- não me lembro muito bem.... mas é sobre mariposas.... ah, sim! “As mariposa...”- começo a cantarolar- quando chega o frio... “fica voando em vorta da lâmpida pra se esquentar... elas rroda, rroda rroda e depois se senta... em cima do prato da “lâmpida”, pra descançar...- sorrio

- nossa mas a letra tá toda errada mamãe!

- não está não Caleb... é que no Brasil, houve uma mistura de culturas, de línguas... e as pessoas mais pobres, mais humildes, principalmente na cidade de São Paulo, que não tinham muito estudo, muita educação, falavam assim, engoliam os “ésses”, erravam em concordância...
- e a maioria dessas pessoas, de São Paulo, são como nós, descendentes de italianos!

- eles falam como o vovô?

- mais ou menos... agora apressa! Apressa porque está na hora dos três irem à escola! Não podem perder o primeiro dia!

Rachel segue em silêncio. Sei que ela não quer ir, que está frágil de mais... mas nesse momento, sei que é um mal nescessário. Mais um na vida dela. sei que estar aqui comigo de certa forma também é... que ela sente falta de casa, da Dádi, de Marseile, do pai... Mas ela precisa se distrair. Precisa estar aqui...


Rachel

Na fabulosa Paris... onde tudo são cores... flores e cheiros. Entre todas as coisas, o que mais me impressiona em Paris são os parisienses. Parisienses tendem a ser impacientes, entediados e as vezes entediantes. Sou parisiense, eu sei. Mas não sei como, não sei se sou parte daqui. Enquanto caminho na rua, pulso por querer ser. Ainda mais quando no mercado, os vendedores sorriem e gritam: bon jour! É como se me dessem as boas vindas. Então me permito sorrir. Me permito esquecer tudo. Me permito esquecer do Carlo. Do Carlo. pai.... jamais. Já-mé. Ele não é e nunca será meu pai. Todas as coisas que ele disse... todas as coisas sobre eu ser igual a ele e ser parte dele.... não. Papai, eu quero esquecer... é tudo mentira... pai...

Sem perceber, me afasto dos outros. Corri à todo fôlego... de repente , um senhor meio alto, meio estranho na minha frente.

Papai... eu gosto de quando o senhor me abraça, de quando me põe nos ombros. Eu gosto de te atormentar as vezes, só pra ver o vinco que se faz na sua testa todas as vezes que você fica nervoso. Pai, se lembra daquele dia, que acampamos no quintal? Eu peguei cinco paus na sua carteira, ah, e minha carta não era aquela, mas juro que na próxima te deixo ganhar. Papa... eu não tenho medo de bicho papão, você sabe... mas ele não me deixa dormir... ele deve ter asma... respira muito forte... papai... acho que seria uma boa hora do senhor aparecer, como prometeu. Estou com medo agora, papa... espanta o bicho papão... lê um gibi pra eu dormir....