quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Capítulo 50- Impressões




Le Eternel Amour

Tulipe Rouge





Duas, três, quatro... um milhão de batidas. O coração aos saltos, o ar fugindo dos pulmões. Ela ainda estava golpeando a porta, e pude ouvir alguns palavrões. 

-Claude, seu cretino! Abra já essa porta, vamos! Me tire daqui!!!!

- Non enquanto estiver ton agitada, Nara!

-Infeliz! Abre! Abre! Abre! - as batidas foram insistentes até eu poder perceber o peso dela escorregar pela porta, e se abandonar no chão do quarto. 

Todos os sonhos que tive com Nara, foram sempre perturbados e nada românticos. Sempre  uma grande angústia invasora ao despertar e sempre a dor de cabeça psicológica ao me levantar. 

Não posso negar que minha mente refaz muitos momentos que passei com ela, e não os melhores. 
Queria dizer que tanto faz ela estar ou não aqui mas, por um lado, seria como uma ingratidão minha esquecer de que por um bom tempo ela foi uma das únicas amizades que tive. Apesar de... tudo. 
Fora as crises histéricas  e todo aquele Gim, ela era uma boa amiga. E não fosse o rancor, talvez pudesse ter se tornado uma boa mãe também. Talvez.

- Está pensativo outra vez... - A voz de Rosa me desperta - Acho que não devia ter te trazido aqui...

-Non, non... Está... - observo duas crianças tomarem sorvete acompanhados de um casal na mesa a frente - tudo... bem....

- Vocês costumavam vir aqui não é?- O sorriso vago no rosto dela me diz que ela não se importa, mas o olhar   questiona se eu me importo

- Oui... très jeunes... -susurro e a encaro sorrindo- Você quer que eu fale dela non é? 
Rosa assente recostando-se na cadeira. Seu sundae ainda quase intacto, já que desde que chegamos ela se dedica a me observar

-Hum... - suspiro- D'acord. D'acord. - a olho sem saber por onde começar ou como descrever meu relacionamento com Nara. - Ela era... uma moça muito bonita, muito... carinhosa as vezes e... 

-Ela era bem sexy! - Rosa sorri levantando uma sobrancelha 

- D'acord, isso também. - sorrio de volta- Mas eu me detive nela por ela ter certa... complexidade junto com uma transparência de.... non isso non faz sentido..

-Está tudo bem, Claude. - A mão delicada de Rosa pousou sobre a minha 

- Tudo bem, é só que... non sou bom com palavras, você sabe - sorrio

-Mas você ainda pode tentar. Não pode?

- Oui...- tomo um pouco do sorvete dela e suspiro- Posso.  


Rosa


Bebidas, cigarros, sensualidade. Poderia ser um desses livros de romance, mas é a descrição de um relacionamento real, ou quase real. Não posso dizer se ele a amou, e nem mesmo se sente falta dela as vezes. 
As expressões dele se tornam cada vez mais decifráveis para mim e quase penso que o conheço.
Mas ainda não sei se a frieza que ele aparenta é de verdade ou apenas fruto da minha impressão sobre ele. 
Teimo comigo mesma em querer acreditar que ele é mesmo palpável e comum. Mas algo em mim o vê algo como um vilão,  sabe-se Deus o porquê. Mas ainda não consigo, não consigo ir contra mim mesma.

Levantamos e Claude se põe a andar a meu lado, apoiado-se nas muletas. Suspiro. Não tão é reconfortante me dar conta de que ele é tão mais alto que eu. Isso reforça a minha tendência de me por na defensiva com ele, apesar de cuidar muito para que eu não transparecesse tal postura.
Sei que não explica em nada todo o meu constrangimento diante dele, já que ele ser alto o tornaria, hipoteticamente, mais atraente para mim. Mas não ajuda a separar dele a figura de chefe militar, ditador e sem sentimentos.
 Essa foi a figura que apregoei a ele por todos esses anos em que repetia a mim mesma que mantê-lo longe do Caleb era o melhor. E até que funcionou. Ao menos para o objetivo que fundei, funcionou.
 A verdade é que todo mundo já entendeu o que eu fiz. Mas ainda me sinto terrivelmente culpada por ter privado o Caleb dele. Ainda que fosse sem sentido o contato dos dois, parecia tão certo!
 Mas consegui eu ser a durona, ser a que mandava e não ele. Porque eu não correria o risco dos Geraldy, num belo dia de outono, decidirem tomar de mim o meu bem mais precioso, o meu filho.

Sempre tive a plena consciência de que ao mínimo descuido, o Claude poderia se impor contra a minha decisão. E eu sempre soube que em tais circunstâncias, eu não teria a menor chance. Mas ao invés dele ter se mostrado o capitão durão que eu sempre pintei, ele se mostrou totalmente compreensivo e até sensível a minha dor e todas as minhas problemáticas!
E isso... É muito além do que eu posso ignorar. Deixei de ignorar desde o dia do baile. Mas fingi que não o vi por trás daquela fantasia de conde Fersen.
Estava ocupada fingindo não dar a mínima para a presença dele e pensando onde estaria Jean.

Abrir de novo essa carta não é fácil para mim, mas ainda é a minha preferida.


Ma douce Rosa,

Gostaria de poder estar sempre com você, de te abraçar todas as vezes que por acaso um pequeno espasmo de tristeza tocar seu corpo, ou quando teus olhos ficarem úmidos. Viveria apenas para estar ao seu lado todos os dias e garantir que você seria feliz, ainda que não quisesse ser. 
Mas, grâce à Dieu, não sou eterno, como você sabe. Ainda sim, te levarei para sempre, onde quer que eu for e comigo, o meu amor por você, minha melhor amiga, companheira de todas as horas, a quem eu dediquei meus pensamentos mais delicados. Você me fez melhor, Rosa. Me fez acreditar mais nas pessoas, a não ter medo de críticas, e, até onde eu consegui, soltar a voz. Sim, você foi quem me incentivou a gritar -Que j'existe! C'est moi! Je suis ici!
Eu te devo a minha alegria de viver ma petit, te devo boa parte do que me tornei. Me perdoe se não te disse tudo isso enquanto estava aí contigo, me perdoe! 
Apenas saiba, que o meu amor por você c'est à jamais! O meu amor continuará a existir mesmo depois que minhas cinzas voltem à terra e com ela se percam, e preciso que saiba disto.
Mas eu fui apenas um excerto da sua história, petit. Ainda tens muitas  e muitas páginas a escrever. Não espere que elas fiquem amarelas! Vá lá e me impressione! Não esqueça que estarei sempre com você, e, não importa oque aconteça, haja o que houver, eu sempre vou estar aqui, e sempre vou amar você.

De Jean, vous Tony!




Claude 



As vezes, apenas as vezes, eu gostaria de poder arrancar tudo o que está na cabeça de Rosa sobre mim. Tudo o que estiver lá, em sua mente. E simplesmente poder ter uma nova chance, a minha chance.
Como se eu pudesse desencantá-la do amor profundo que ela insiste em sentir por meu irmão.
Ainda não entendi qual é a sacada que ele mencionou numa das cartas, sobre reverter sentimentos vazios em laços fortes e vibrantes. Acho que tem a ver com Rosa pensar de forma negativa sobre mim, e eu surpreendê-la.
O que acontece é que minhas investidas sutis não têm funcionado bem. Preciso mesmo é de uma nova tática, porém devo cuidar para não assustá-la, é claro. Não quero pressioná-la, contudo acho que se as coisas não mudarem, a minha tentativa se efetivará fracassada em todos os aspectos. Nunca precisei de tamanha cautela com uma dama antes.
Mas com Rosa é diferente. Ela é diferente, de todas as damas que já conheci. É um espírito forte, rebelde, independente... Totalmente indomável.
Assim como Jean era.
Não poderei superar Jean. Mas poderei tê-la aqui, no presente, comigo. E para isso, terei que convencê-la de que eu preciso mesmo dela. E que ela precisa de mim.

-Rosa, sabia que eu nunca subi a torre Eifel?

-Pare de gracinhas.

-Absolutamente. Agora é sério. Parece piada, mas eu nunca subi lá non.- Sorrio marotamente, a olhando com cara de quem está esperando algo

- Não diga que quer que eu te leve lá, com essas muletas?

- Bom, nesse caso non. Mas se me prometer que irá comigo quando eu estiver sem elas, eu ficarei muito contente! -sorrio

- Tudo bem...- ela revira os olhos e volta a escrever no computador. - Mas só quando estiver sem elas, ok?

-Merci. - pisco e saio da sala. Abro a porta dos fundos e me encosto à soleira. Observo o pôr do sol. Mais um dia se vai, tranquilo e surpreendentemente satisfatório. Quase feliz.







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