sexta-feira, 4 de julho de 2014

Crônicas de U.R.C.A - Dejavu ( | de ||)

Crônicas de U.R.C.A



Rosa abriu os olhos, mas parecia que ainda os mantinha fechados. A cegueira, porém, era branca e intimidadora. Ela então piscara muitas vezes, até desistir e fechar os olhos novamente, desanimada.
Se encontrava deitada de costas numa cama meio dura, mas o travesseiro era bem macio. Talvez macio demais. Rosa se contorcia tentando pensar em alguma coisa lógica, como onde estava e como fora parar ali. Ou onde estaria sua mãe.

-Rosa? - uma voz a chamou. Era voz de homem. Meio grossa, então era um homem de meia idade, talvez um tanto velho.
Pausa.
-Rosa?- a voz insistiu, e ela teve a impressão de que conhecia essa voz. Mas não dava pra ter certeza. Então, ainda que a contragosto, abriu os olhos. E oque ela não esperava era enxergar claramente. Um quarto de hospital, uma cadeira acolchoada, uma mesinha com um buquê de flores dentro de um vaso e um estranho a observando atentamente. Um belíssimo estranho, para ser mais justa.

-Rosa!- o estranho sorriu. E ela o achou meio efeminado, porque ele a olhava com uma cara boba, com olhos marejados e aquele sorrisinho de quem olha para um bebê.

-Quê?- ela finalmente respondeu,  mais áspera do que pretendia.

-Você... está se sentindo bem?- o estranho parecia um pouco ansioso e aflito.

-Eu... não sei. Acho que não devo estar muito bem, porque... isso aqui é um hospital não é?- Rosa olhou para a janela. O movimento da rua lá em baixo era calmo. - Ué... - ela se voltou para o homem novamente- E quanto ao senhor?

-Oque?

-O senhor. Trabalha neste hospital? É meu médico?

-Non... non sou seu médico non.- ele ficou estranho e vermelho. As mãos largadas ao redor do corpo. Parecia assustado.

-Oque faz aqui então?- Rosa perguntou um tanto alterada.

-Você.. quer saber oque eu faço ..aqui?- a voz do estranho quase sumiu, e ela chegou a pensar que ele estava em ponto de chorar.

-Com licença! - uma voz desconhecida rompe o silencio que se formara como uma nuvem ao pela sala. Um senhor simpático entra pela porta, sorrindo.

-Olá doutor Rian. - O desconhecido disse ao médico, que lhe apertou a mão.

-E então, a dorminhoca já acordou? - dr. Rian sorriu para Rosa. - Como estamos?

-Eu... não sei bem. Quando acordei não conseguia enxergar. E.. me sinto confusa. Oque foi que me aconteceu?

-Você levou um susto, eu diria. Um acidente. Rolou por uma escada inteira.

-Oh meu Deus!- Rosa leva a mão à testa. Estava quente e doía.

-Imagino que esteja com dor. Mas não se preocupe. Por enquanto não há evidências de fraturas sérias. Nem mesmo um coágulo.

-Acho que ela perdeu a memória doutor. - o homem cochichou, mas Rosa ouviu.

-Não perdi coisa nenhuma. Eu só não entendo oque esse senhor está fazendo aqui. Nem mesmo o conheço!

-Não me conhece?!- o estranho parecia furioso, mesmo que tentasse manter um tom de voz “aceitável ao ambiente”

-E se ele disse que me conhece... Não é verdade!

-Rosa!

-Espere, Rosa... Não fique tão agitada. Agora me conte do que exatamente se lembra.

-Eu.. ah doutor! Eu acho que não me lembro de nada em especial.

-Ok. Vamos pelo básico. - o médico pegou a caneta e começou a anotar na prancheta- Qual é o seu nome completo?

-Serafina Rosa Petroni. - ela respondeu rapidamente. E olhou para o estranho, que deu um suspiro, parecendo morder a língua.

-O nome de sua mãe?

-Amália Petroni.

-De seu pai?...

-Giovanni Petroni.

-Tem irmãos? Quais seus nomes?

-Dois irmãos. Tereza e Dionísio.

-Onde você nasceu? E onde mora?

-São Paulo, capital.- Rosa respondia e o médico anotava tudo, sem a olhar.

-Quantos anos têm?

-Tenho... ah. Eu não sei. Acho que menos que trinta. Ou trinta.

-Tudo bem. E... onde e com quem mora?- dr. Rian olhou para ela e ela para o estranho que observava os próprios pés.

-Não tenho certeza. Mas acho que moro sozinha. Mas não sei onde.

-Ok.

-Como assim, ok?! Alô! -Rosa estava estérica- Eu estou aqui, com uma baita dor de cabeça , uma possível amnésia e um estra.. espera!

-Rosa, já disse para se manter calma,  lembra? - o médico se aproximou dela.

-Eu sei quem você é!- Rosa olhou para o homem que permanecia estagnado ao pé da cama. Ele levantou rápido a cabeça e a encarou.

-E.. quem eu sou?- ele meneou a cabeça.

-Você... É.. - Rosa apertou os olhos e o homem quase sorriu- Claude Geraldy!

-Oui! - ele sorriu. - Lembra-se de mim, non?

-Na verdade.. Não muito. Você.. estava na capa de uma revista outro dia.. eu acho.

-Rosa..

-Claude, espere. Deixe ela falar. Lembra-se de mais alguma coisa, Rosa?

-Não doutor. Acho que não.. Ah! Mas que coisa! Quero sair daqui! - ela tenta se levantar, mas a cabeça não deixa. Parecia imensa e pesava muito, quase como se estivesse cheia d'agua.

-Rosa! Já disse para não se exaltar. Não fará bem a seu bebê.

-Bebê?! Mas que bebê?- ela se põe sentada, com as mãos no rosto.

-O nosso bebê.






-Rosa... Não se exalte. Isso aqui é um hospital.

-Não vejo bebê nenhum.  Está dormindo? Onde ele está?- ela tenta descer da cama mas é impedida por Claude.

-Oque?! Rosa!

-Sente-se direito, mocinha! - o médico a olha com cara de reprovação.

-Expliquem essa história de bebê agora mesmo!- ela cruza os braços.

-Você está grávida. - dr Rian dá os ombros. - Foi uma tremenda sorte que esteja tudo bem com os dois. Você e o bebê, eu quero dizer.

-Eu.. estou.. grávida. - Rosa suspira, procurando calma. - ah, que lindo. - diz sarcástica, fechando os olhos e apertando o próprio nariz na altura dos olhos.

-Está apenas com cinco semanas de gestação. E como eu já disse, está tudo nos conformes.

-Tá. - Rosa dá mais um dos seus muitos e longos suspiros e encara dr Rian. - E... Oque raios o meu patrão está fazendo aqui?

-Rosa! - Claude começa a gargalhar e se senta na cadeira ao lado da cama.


-Você se lembra dele agora?- dr Rian permanecia sério e calmo. Oque irritou Rosa

-Ei, doutor, eu faço as perguntas aqui! Responda!

-Ele... - o médico aponta para o anel dourado no anelar esquerdo de Claude, que tinha as mãos no rosto.

-O doutor Claude casou? Ei, doutor Claude!- Rosa chama e ele a encara meio assustado

-Oque o senhor está fazendo aqui? Eu caí na empresa, por acaso? Mas nem tem escada... Espera! Já sei! Foi um incêndio? Eu cai da escada de emergência!- Rosa põe a mão na testa como quem tem uma visão e Claude tapa o rosto novamente.

-Você não está sentindo fome, Rosa?- o médico pergunta entregando um copo com água para ela

-Hum... Um pouco. - ela responde tomando a água dum gole só. Ela faz uma careta e se ajeita na cama

-Está enjoada?

-É... acho que sim.

- Vou chamar a enfermeira.- dr Rian se vira para a porta

-Espera! Eu acho que prefiro que chame o pai do meu filho aqui. Ele sabe que estou aqui?

-Rosa... - o médico se volta para ela com cara de cansaço

-Eu.. lamento cansá-lo tanto, doutor. Mas eu realmente não me lembro como cheguei aqui. Nem quem eu sou eu lembro direito. Acho que sou secretária deste senhor. Oh Deus, que horror!- ela abaixa a cabeça

-Está tudo bem, Rosa?- Claude tenta segurar a mão dela mas ela não permite e dá um tapa nele.

-Você chegue pra lá!- ela parecia chorar. Os dois homens a olhavam confusos

-Está sentindo alguma coisa, Rosa?

-Não doutor. Aliás, sim! Estou me sentindo péssima! Como pode? Eu nem me lembro quem é o pai do meu filho! Oh Deus, que mãe mais terrível que eu sou!

-Rosa, fique calma! - Rian tenta consolá-la.Claude dá um lenço ao médico e esse o entrega a ela.

-Doutor, não posso. Meu pai vai me matar!

-Acho isso meio difícil.. - Claude murmurou, e ela imediatamente o fulminou

-Não se meta. Saia daqui, ou fique quieto aí.

-Rosa, acho que não deveria se preocupar com nada mais a não ser sua saúde e a do bebê.

-Mas estou me preocupando com isso mesmo, doutor! Se meu pai me pega mãe solteira! - Rosa se lamenta.

-Você non é mãe solteira. E seu pai faleceu já faz um tempo, Rosa.

-Oque?! Meu Deus! …. É verdade! Acabo de me lembrar! - ela suspira melancólica. - E ele nem me levou ao altar.

-Levou sim. - Claude responde distraído. Ao se virar para ele , Rosa percebe que ele olhava pela  janela.

-Como assim? E como você sabe?

-Rosa.- ele começou impaciente- Você está confusa, tudo bem. Mas será que não passou pela sua cabeça que... - Claude abaixa a cabeça e se contém.

-Que?... - ela meneia a cabeça esperando resposta. O médico saíra da sala.

-Você é minha esposa.

-HAHAHAHAHA

-Está.. Rindo? Tá rindo de quê? Mon Dieu Rosa, pare de rir!

-Ahhhh! - ela passa então a chorar.

-Mon Dieu! - Claude começa a apertar freneticamente a campainha que chama a enfermeira - Acho que son os demônios.

-Hormônios!- ela protesta, ainda choramingando. - E você não é meu marido coisa nenhuma! Eu não tenho marido nenhum!

-Serafina..

-Não me chame de Serafina!- ela berra.

-Eu sou seu marido sim!

-Eu não tenho marido nenhum! - aponta para o anelar nu. Claude revira os olhos e tira a aliança dela do bolso do paletó.

-Você precisou tirar todas as jóias pra ser internada. - ele entrega o anel a ela que o encarava. Segue-se um silêncio que dura em torno de dez minutos.

-Quer dizer que.. Somos casados?

-Oui. - ele suspira.

-Mas... eu não me lembro disso.

-Tudo bem. Eu já percebi.

-O bebê.... É seu?

-É sim. Pelo menos foi oque você me disse, hã?

-Oh meu Deus! - ela põe a mão na boca. - e se não for?

-Oque?

-Eu.. não me lembro de como esse bebê veio parar aqui dentro!

-Mon Dieu! - Claude estava vermelho e Rosa parecia irritada.

-Já sei! Isso é um daqueles meus sonhos malucos! Um dos cochilos da tarde!

-Você.. cochilo no meio do horário de expediente? Rosa!- Claude ralhou.


-Isso, doutor Claude! Grite comigo! Talvez assim eu acorde!

Mas o que aconteceu foi o contrário. A enfermeira chegara no meio da conversa e a sedou sem que ela se desse conta.
Quando acordou estava sozinha no quarto, e tinha um bilhete na mesinha.  Exatamente como ela desconfiou, era de Claude. Ele voltaria depois do almoço para buscá-la. Rosa teria alta e iria para casa. Para a casa deles. Dos dois.

-Ah meu Deus...- ela bufou quando a porta se abrira.
Claude a encontrou já vestida e pronta para partir. Eles se despediram de Rian, que esclareceu que era um amigo da família, apesar de ela não recordar.
Já dentro do carro, Rosa permanecia calada olhando para a rua pela janela. E então percebeu que segurava uma flor  que Claude lhe dera quando chegou.

-Quanto tempo eu fiquei hospitalizada?

-Duas semanas inteirinhas. -ele respondeu, calmo. Pararam num farol, e ele permanecia olhando para frente.

-Sério? Eu só me lembro de dois dias! Estava em coma?

-Non! - ele sacudiu a cabeça- Você estava consciente. Ou quase. Sentava-se, comia, fazia tudo. Só não falava e nem parecia reconhecer a ninguém.

-Puxa. Que coisa horrível.

-Foi sim.

-E você vinha me ver todos os dias?- ela perguntou impressionada

-Claro que sim. Se pudesse, queria ficar todo o tempo, mas não me deixaram.

-Ah. - ela sorriu, olhando para ele, que não percebeu porque estava dirigindo. Então, no próximo farol, Rosa achou que tudo bem mexer no cabelo de Claude.  E ao contrário do que ela esperava, ele não deu um salto no banco, na verdade nem se moveu. Até que, pouco antes do sinal verde brilhar, ele virou o rosto e beijou-lhe a mão. Rosa sorriu outra vez, sentindo uma pontadinha fina no estômago. Ela não se lembrava de ter casado com ele, nem mesmo de alguma vez tê-lo beijado. Mas sabia que o amava. Desde antes, quando ainda era sua secretária, e ele o patrão resmungão e mau-humorado. Ele era doce e amargo, ao mesmo tempo. E ela o odiava, e o amava. Ao mesmo tempo.

Talvez fosse só efeito da medicação, Claude pensa. Talvez ela volte a si de repente... E como seria isso? Ela então voltaria a ser a Rosa séria de antes do acidente? Acidente que aliás, quase lhe custara a vida.

A senhora Geraldy enganchou o sapato no carpete da escada, desequilibrou-se e rolou até o último degrau, no qual bateu a nuca na quina. A cabeça sangrara horrores, havia também escoriações nos joelhos e cotovelos, mas só.
Quando disseram que tudo bem com ela e o bebê, Claude quase flutuara. Depois de quarenta e oito horas desacordada, sua Rosa acorda em estado de confusão mental e amnésia parcial aparente. Contudo, depois das duas longas semanas observando-a de longe, vê-la refeita e cheia de vida o trouxe um novo ânimo. Algo como se não só ela tivesse voltado aos velhos humores, mas ele também. O que não é de tudo ruim, ele pondera. Fora na condição de patrão rabugento e secretária atrapalhada que nascera toda a química entre eles.
De certa forma, é como voltar ao início do relacionamento. Ao pico das emoções  da paixão incrível e arrebatadora que viveram.

-Não que eu esteja reclamando, mas o senh...você- ela se corrige antes que ele o faça- será que você poderia me deixar sozinha agora?

-Ah..

-Olha, não estou reclamando! Agradeço muito a … atenção. Mas é que.. eu .. você sabe.

-Tudo bem. Se precisar de alguma coisa, Dádi estará a disposiçon.

-Dádi..

-A governanta.

-Ah sim. Obrigada. E.. desculpe perguntar, mas e você? Onde vai?- Rosa pergunta exitante. Estava constrangida o bastante para não olhá-lo nos olhos e se encolher na poltrona. O quarto ficou silencioso por alguns instantes, até Claude suspirar e dizer:

-Pare já com isso.

-O que?- ela foi pega de surpresa- Oque quer dizer?......... Não precisa responder, eu entendo.- ela acenou e Claude prendeu sua mão ás dele no ar

-Rosa! - ele se abaixa e a encara – Por favor, volte agora!

-Eu.. oque?- Ela estava confusa, e ele irritado

-Volte... eu non suporto mais que esteja assim...

-O senhor está sugerindo que eu...

-Non me chame de senhor... a não ser que esteja furiosa comigo. - ele abaixou a cabeça e ela espremeu os olhos

-Acha que estou fingindo?- disse em voz baixa, como que para si mesma

-Non...- ele arfa- Acho que talvez exista algo que eu possa fazer para que você se lembre.. ou que se sinta melhor..

-Doutor.. Claude. - ela suspira e o olha- Eu não entendo. Se você acha que estou fingindo ou não, não faz diferença. O negócio é o seguinte: estou cansada desse nhénhénhé. Sabe!

-Hã?- ele ergue a cabeça e se depara com a expressão decidida que ele tanto amava e por vezes temia

-Pare! Se você realmente quer me ver melhor, então pare de me tratar como doente! Eu estou bem, não vê?

-Rosa.. você está desmerecendo sua condição e ..

-Diz isso por causa da gravidez? Eu não estou doente!

  Segue-se uma pausa com os dois encarando-se de forma desafiadora.

-Entón me diz que sabe quem é Leopoldo!

-Leopoldo?- ela retesou na poltrona

-Sim. Leopoldo.-  Claude sorri e ela desiste baixando a cabeça num suspiro

-Quem é Leopoldo?

Claude  abre um armário, voltando a se agachar perto dela com uma mão nas costas

-Se non se lembra dele, enton non está em juízo perfeito! Você quem me disse isso, sabia?- sorri e entrega um leãozinho de pelúcia a Rosa

-Eu? - ela responde meio aérea, alisando o urso como se realmente fosse vivo- Não invente histórias, doutor. Eu me lembro de como era um grande fanfarrão.

-hahaha

-Está rindo? Mas tá! Vejam quem não está em juízo perfeito!

- Rosa você é uma graça! - ele alisa o cabelo dela que o olha desconfiada

- Qual é a desse urso?

-É um leon.

-Leão. Que seja.

-Non gostou de vê-lo?

-Gostei sim.- ela desfaz o bico num sorriso brando- ele é fofinho.

-Você costumava dizer isso. - Claude sorri

-E então? Ele é meu?

-Non, mas eu sou. - responde com naturalidade. O que deixou Rosa chocada

-Então posso trocá-lo pelo Leopoldo? - Ela sorri

-Leopoldo é meu. Você mesma me deu. No nosso primeiro dia dos namorados.

-Está dizendo que eu comprei um leãozinho de pelúcia pra você, e você o guardou? Hahaha achei que não viveria para ver esse dia!

-Non tem graça.- Claude toma o urso das mãos dela emburrado.- E você non o comprou, você o ganhou num jogo de tiro ao alvo, num parque de diversões.

-Ei, e quem escolheu o nome? Desse jeito não vou aceitar sugestões para o nome do meu bebê!- ela zomba

-Nosso bebê- Claude enfatiza- E para seu governo, a senhora, dona Rosa é quem escolheu o nome.

-Eu? Mas e porque?

-Você disse que ele se parecia seu tio-avô Leopoldo, a quem você conheceu só por fotografia.

-Ah meu Deus, é verdade!- ela tapou a boca às gargalhadas. Depois boceja

-Acho melhor deixá-la sozinha mesmo. As enfermeiras me alertaram.Tem que dormir mais, senhora. - ele entrega o urso a ela se levantando, mas Rosa o puxa pelos  braços e o abraça

-Obrigada, doutor Claude.

-Pelo quê?

-Por me amar. - ela diz com a voz um pouco embargada, e ele se afasta para encará-la por um instante. Até que ela o aperta novamente e o beija. E ele se permitiu ficar ali, ajoelhado, sendo beijado por Rosa por alguns longos minutos.   Quando finalmente se levantou, ela o olhava de forma languida e enigmática. Talvez estivesse mesmo fingindo. Talvez. Porém ele até que gostaria de acreditar que ela voltou no tempo, e que ele tem de conquistá-la de novo. Ganhar sua confiança, outra vez. Caso contrário, ela teria de fazê-lo.
Se ela estivesse fingindo, ficaria bravo é claro. Não suficientemente chocado, já que até  estava gostando de ter a velha Rosa de volta.



-Rosaaaaa! Cadê vocêê...- uma voz cantarola vinda do corredor. Rosa sorri e se levanta de supetão abrindo a porta do aposento imediatamente

-Janete! - Elas se abraçam- Ainda somos amigas, não é?!

-Oh meu Deus, mas é claro que sim!- As duas se sentam na beira da cama e Janete lhe entrega uma caixa de bombons

-Céus, desse jeito não desço mais a escada!

-E é melhor mesmo! Onde já se viu? Nos dar tremendo susto!

-Janete você sabe que eu..

-Está um pouco confusa..- a moça meneia a cabeça mas ao olhar de Rosa, se corrige- Muito confusa. Ok. ..Rosa!

-Você acha que estou fingindo?.. - a amiga faz que não. E Rosa se endireita- Ei Jane, sabe se existe algum motivo, um acontecimento em especial que explique essa desconfiança da parte do dout.. Claude?

-Eu.. - Janete faz-se desconfortável

-Digo, eu teria motivos para fingir uma amnésia? Nosso.. cas.. cas..

-Casamento.

-Casamento... a gente andava brigando? Em crise, sei lá?

-Olha Rosa.. Pra falar a verdade, vocês sempre brigavam. Mas era sempre algo como, “ ah mas que droga, eu pedi sorvete de chocolate com cobertura de morango, não morango com cobertura de chocolate!” - Janete revira os olhos- Vocês eram um casal perfeito...

-Perfeito?- Rosa levanta uma sobrancelha

-Perfeitamente normal, quero dizer. Brigavam por coisas bobas, mas sempre foram muito unidos..

-Deve ser por isso que ele não larga do meu pé.

-Mentira, que você já está com saudades.  Admite.

-Dã. Nada a ver. - Rosa faz pose. Janete duvida- Tá, mas só um pouco.

-Rosa. Admite que você o ama, vai. Chega disso. Desmemoriada ou não, nem faz diferença. Oque você está pensando em fazer? Largá-lo?

-Não.. Quer dizer.. não sei. É estranho.. Eu não sei como pode ser.. Conviver com um quase desconhecido..


-Ah qual é? Pra ele é a mesma coisa. Mas ele não deu para trás, não é?

-Eu sei.. Mas é diferente para mim.. E como.. Janete, eu...

-Rosa, você já está grávida.

-Então, é disso que estou falando! Eu acho que a gente se casou por isso não foi?

-Querida, faça as contas. Não dê desculpas. Pense: você está de um mês e meio. Quando sofreu o acidente tinha um mês de gestação e 2 anos de casamento!

-Dois anos? Nos casamos a dois anos?

-Ficaram noivos rápido- Janete dá os ombros. -Na verdade, acho que nem chegaram a namorar. O Claude é desses fatality.

-Oque?- Rosa cai na risada por causa do jeito de Janete. E também por sentir uma felicidade estranha ,de repente.

-Eu vim aqui para me assegurar de que você não fará nenhuma bobagem.

-Eu? E porque faria?

-Eu conheço essa Rosa, aí. Desde os quinze, lembra? Você esqueceu partes estratégicas de sua memória, e eu vim para ajudá-la.

-Como uma fada madrinha?

-Hahaha Não exagere. Acho que esta é a Dádi. Talvez eu seja só o sapatinho de cristal, que te lembra dos bons momentos da vida.

-É sim. Mas você sabe porque eu esqueci justo coisas relacionadas a meu casamento?

-Não.. Na verdade, talvez. Eu sei que esse bebê é um grande sonho de vocês dois, se realizando. Sei que ele estar vivo é um milagre. E que seu marido está carregando uma imensa barra, sozinho.

-Barra? Por minha causa?

-Na verdade, não só.


-E oque mais, então?


-Você sabe onde ele está agora?

-Acho que na empresa, trabalhando.

-Errou. Ele está com a mãe de Frazão.

-Mas e porque?

-Porque Frazão está muito doente.

-Doente? -Rosa sacode a cabeça- Muito doente? Como assim?

-Ele está mal, amiga. Ele sim sofreu um acidente feio, de carro.

-Mas e.. quando foi isso? Quando eu estava no hospital?

-Na... na verdade.. sim. Mas não foi dessa vez. Foi em outra ocasião.

-Então eu estou doente?

-Não, Rosa!

-Mas se eu..

-Olha, o que vale, neste caso, é que Frazão está doente e o Claude está preocupado.

-Eu me lembro que eles eram muito amigos.. Como irmãos.

-Sim, e ainda são.

-Mas como foi esse acidente? E quando? Faz pouco tempo, né?

-Um ano.

-Oque? E o Frazão...

-Ele voltou pra casa depois de dois meses.. Mas vive tendo complicações e..

-Tudo bem, eu quero vê-lo.

-Oquê?

-Eu quero vê-lo, Janete!

-Por Deus, Rosa. O Claude me mata! Ele não queria nem que eu te contasse!

-Hum.. Então pedirei a ele pra me levar.

-Rosa..- Janete suplica

-Está decidido.- ela cala a amiga com um gesto.



Rosa sentia-se inquieta. Algo não estava encaixando bem em toda aquela retórica de Janete. Como seria possível, ela e Claude terem se casado em dois anos? Alguém como ele, tão alérgico a palavra 'casamento'...
A moça sempre considerou o patrão rude demais para se casar. Admite que realmente alguém um dia o fisgaria. Mas ela? E como terá o convencido assim tão depressa?
Em suas memórias, as que restaram, ele tinha um relacionamento com uma socialite muito bonita rica e convencida. Rosa se lembrava de odiá-la todos os 40 minutos que a ruiva de ar superior permanecia trancada na sala com seu patrão.

Só que agora, diante das atuais circunstâncias, ela não sabia como reagir. Então.. a cabeça gira e tudo em volta parece se mexer..


-Você está bem, cherri?- Claude pergunta encostado à porta do banheiro, que ela esquecera de fechar.

-Ah.. foi só..

-Enjoo? - ele sorri com o canto da boca. Rosa o encara por um tempo. Jamais o vira com uma expressão assim.. Tão dócil.

-Acho injusto só a mulher passar por essas coisas...- ela suspira, sentada na beira da cama.

-É. Eu também acho.

-Acha? - ela sorri, incrédula.

-Claire! Vocês é que carregam o bebê e depois, tem uma ligaçón tón.. Como dizer.. Íntima, visceral.. Digo, eu sinto muito mais falta de minha mãe do que de meu pai. - ele meneia cabeça e Rosa começa a chorar.

-Rosa? Oque foi? Eu disse alguma coisa?...

-Meu pai, Claude. Meu paizinho! - ela soluça e Claude a abraça

-Ah, meu amor! Calma.. Eu sei que non faz muito tempo.. Quer dizer pra você.. eu non sei. Nem sei oque dizer.

-Não.. Não precisa dizer nada. Só fica aqui comigo. Ontem você me deixou sozinha. E eu dormi aqui nesse quarto estranho.. Estou me sentindo estranha.. perdida..

-Non se desespere, hã? Fique calma.

De repente Serafina para de chorar e fica olhando pra ele, quieta. Ele acha o jeito dela um pouco engraçado, e sem perceber a beija no rosto e pescoço várias vezes. Depois ele retesa e se afasta, com medo de que ela o repreenda.

-Por que se afastou? - ela pergunta de forma inocente

-Eu achei que vo.. -Claude tenta se explicar, mas ela o surpreende com um demorado beijo.

Rosa sorri para ele que permaneceu quieto, sem se afastar

-Até esqueci oque ia dizer...- ele sorri e ela o beija novamente.

-Como pode, doutor Claude?

-doutor Claude...- ele remenda- Como pode oque?

-A gente! Como pode.. Você.. eu. Como pode?

-Como não pode? - ele sorri e a aperta – Porque nón? -ele sussurra no ouvido dela.

-Porque eu?- ela insiste

-E porque eu? - Claude a encara- Você tem algum motivo? Desconfia de um?

-Você... É... tenho muitos motivos. Ora! Não banque o rogado, você sempre se achou o máximo!

-Eu? -ele finge indignação- Tudo bem. Oque quer que eu diga? Que você é linda? Te digo isso todos os dias. E aposto que disso você se lembra.

-Sempre com suas piadinhas... - ela o censura- Nem vem, você me chamava de linda por interesse. 'Obrigado pelo café, dona Rosa! Está cada dia mais linda!' E então eu o remedava ' A noite foi boa, ein doutor?'

-Aw você se lembra! - Claude a olhava fixamente nos olhos, de tão perto que ela sentia sua respiração

-É..

-Se você se lembra disso.. Entón se lembra disso..- ele beija a orelha dela

-Eu devia ter te processado por assédio, naquela vez.

-Qual das vezes? - ele a encarou e Rosa ficou carmim

-É mesmo.. Foram várias...

-Está vendo só? Como é que pode... - ele lhe morde a ponta da orelha

-Ai! - ela o encara

-Ah mas como está manhosa..- sorri e Rosa sente-se ainda mais encabulada. Ela abaixa a cabeça e Claude a abraça novamente

-Você vai demorar?

-Non.. na verdade.. - Ele muda o tom distraído e a encara- Eu acho que non vou a lugar nenhum. Vou dar um telefonema e dizer que non posso ir, porque minha esposa precisa muito de mim em casa hoje.

-Oque?- Rosa faz cara de incrédula

-Você que disse, cherri. Está com saudades, hã?- Claude a puxa

-Meu Deus, doutor Claude!... - ela assovia – acho que me casei com um pervetito!

-Non, nada disso italianinha, nem negue. Agora mesmo você pediu que eu ficasse aqui contigo, perguntou se eu ia demorar..

-Claude!-ela o repreende

-Oh me chamou de Claude! - sorri

-É o seu nome, não é?- Rosa finge não ter entendido




No outro dia ela acorda sozinha, com um bilhete em lugar do marido.

Fique ainda mais linda pra almoçar comigo hoje.
Doutor' Claude.

Rosa sorri, sentindo-se tão leve, como se pudesse levitar. Dádi bateu na porta e entrou em seguida, a pegando de surpresa. Ela ficou olhando a senhora andar pra lá e pra pelo quarto, recolhendo a bagunça que ela e Claude fizeram. A moça limitou-se a responder o 'bom dia' à empregada e ficar lá, segurando o lençol como se fosse um escudo.

-Oque a senhora quer pro almoço hoje, dona Rosa?

Silêncio. Rosa não estava mais constrangida e sim, distante

-Dona Rosa?

-Fique à vontade, Dádi. Acho que o Claude hoje vai me levar pra almoçar fora...

-Acha?

-É... - Rosa mostra o bilhete sorrindo

-Hum.. Então, tá. Vou ali, com licença.- a empregada sorri

..

O restaurante era movimentado, mas não em demasiado. Rosa gostara bastante, tinha uma vista espetacular, e o ambiente era animado.

-Adorei este lugar! - ela suspira e percebe que Claude a observava – Que foi?

-Você está esplêndida! - lhe beija os dedos- E eu sabia que iria adorar este lugar.

-Ah é? E como é que você pôde ter tanta certeza assim?

-Era o seu predileto. - ele dá os ombros

-Vai dizer que sabe qual a meu prato favorito?- ela sorri

-Daqui, ou em geral?

-Oque?

-O seu prato preferido daqui, é o numero 11 do menu. E em geral.. ai é mais difícil, você sempre mudava de ideia cada vez que experimentava algo novo.

-É.. isso é bem minha cara. Então tá. Eu vou querer.. Salmão. Mas quero comer salmão com maionese.

-Amour.. salmão e maionese!... Non parece muito bom.. você pode passar mal...

-Quer que nosso filho se chame Salomão Maionese? - Ela faz bico pondo a mão na altura do estômago. Claude gargalha

-Oh Mon Dieu!



Rosa passara mal três vezes no mesmo dia. Foram ao médico, os dois. E na volta, ela permanecia quieta. Quieta demais.

-Está muito suspeito, a senhora tão quieta assim..- ele sorri ainda olhando para o trânsito

-Hum..

-Está preocupada com o bebê?

-Na.. Na verdade, eu estou pensando sobre a vida.

-Ih.. Já vi que isso vai longe.. Se lembrou do que aconteceu? Ou de alguma outra coisa?

-Não. Mas me lembro de sentir saudades.

-Saudades do seu pai.

-Também. - ela o encara- Claude, porque ninguém além da Janete veio me visitar? Onde estão meus irmãos?

-Cherri... - Claude suspira estacionando o carro.- Eu te disse.. seus irmóns eston na Europa, com sua mãe. Seus amigos do cortiço vieram várias vezes semana passada, você só não se lembra. Nem os reconheceu, na ocasião.- ele sorri

- E como foi isso?- Rosa sorri também, querendo muito poder se lembrar da cena, que pareceu hilária.

-Nem te conto.

-Mas e... o pessoal do escritório? O Frasão? Ele era seu melhor amigo, até onde me lembro. E era meu amigo também...

-Ele non.. era. Ele ainda é, cherri. - Claude dá um sorriso triste

-Amor.. - ela toca o rosto dele

-Amor.. - remeda sorrindo , mas deixa escapar uma lágrima

-Conta pra mim, oque foi?- Rosa o abraça delicadamente

-Janete tem a língua de trapo mesmo...- ele resmunga e Rosa sorri, quase chorando também- Oque ela te disse?- a encara

-Que.. - ela não termina pois Claude a beija

-Pardon non ter dito antes, cherri. Mas non queria te deixar nervosa..

-Oque ele tem, Claude?

-Ele fraturou uma perna feio, num acidente de carro há um ano atrás. A perna foi reconstruída , mas ele ainda non pode andar sem as muletas. O osso tá apresentando lesões mais sérias.. um início de necrose..

-Ah meu Deus! - ela tapa a boca

-Non fique assim, non. Ele está sendo tratado pelos melhores médicos, hã? Tenho certeza de que vai ficar bem.

-Jura, amor?- ela o olha suplicante, mas os olhos marejados dele denunciam que não há tanta certeza assim. Rosa o abraça.

-Ele vai ficar bem, cherri. Vai ficar. Tem que ficar.






























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