sexta-feira, 27 de junho de 2014

Capítulo 61- Um longo tempo







Le Eternel Amour
Tulipe Rouge







Nada se compara ao céu de lisboa!- É o que dizia todo lisboeta que eu já encontrei, sempre cheios de saudosismo.

-É realmente lindo. A lembrança mais nítida do pouco tempo em que morei aqui, ainda na infância.

Sorrio para a senhora de brincos de pérola. Os olhos dela tão verdinhos como eram os de Rachel. Abaixo a cabeça, tentando disfarçar a vontade de chorar.

-Vejo que a moça tem uma melancolia no rosto, algo como de um amor perdido pelo mundo. Não correspondido, talvez?

-Tenho um amor perdido sim. Correspondido, mas impossível, desde sua concepção.

-Ah mas não creio que seja de tudo desta maneira, ora. Se é caso de um amor correspondido, então não é impossível coisa nenhuma. O que acontece neste caso, é a falta de unidade entre o casal.

-A senhora é uma daquelas …?- pergunto sentindo uma imensa curiosidade.

-Casamenteira? - ela me olha com quem já esperava a pergunta- Sou sim. Com todo o orgulho. E aconselho essa gente toda que senta aqui neste banco nessa mesma hora todos os dias, só para me ouvir. E se a moça não sabia, então mesmo assim vou aconselhá-la.

-Sua sabedoria será muito bem vinda. - sorrio e olho para o mar mais uma vez.

-A coisa toda é muito simples. Uma boa conversa franca já resolve quase tudo. O que se precisa é escolher as melhores palavras, as certeiras. E no demais, se houver unidade entre o casal, as adversidades são só adversidades. Substancialmente, ainda serão um casal. E neste caso, somente Deus é que separa.

Então chorei por pelo menos quinze minutos.

-Menina, acho que tu sabes exatamente oque tens a fazer. Vá e faça. Chega de chorar, chega de ter medo. Tens é de enfrentar. Até um pinto sai do ovo às bicadas, porque na vida haverias de estagnar?

-Agradeço muitíssimo por sua atenção, senhora. Deus a abençoe. - abraço a senhora, que permaneceu sempre calma e sorridente na maior parte do tempo.

Me levanto e ando pelas ruas de uma das cidades mais belas do mundo. E chego a conclusão de que devo mesmo dar umas bicadas em minha casca. Estou aqui faz mais de um mês, e mesmo assim, nunca tive coragem de ligar para casa. Não faço a mínima ideia de como estão todos. Principalmente, como estão Caleb e Claude. Onde estão... Será que estão ainda perto de meu pai, ou foram para Marseile?
Oh Deus, peço que estejam bem.

-Alô? - A voz distraída de Janete já me foi suficiente para desatar o choro.

-Janete... - minha voz saiu num fiozinho que se desmanchou em lágrimas

-Rosa?!! Meu Deus!

-Você está no consultório, não é?- perguntei receosa


sábado, 7 de junho de 2014

Crônicas de U.R.C.A- Espelhos












Havia um certo rapaz, que vivia reclamando de tudo em sua vida. Reclamava de como estava sempre nublado, das risadinhas fora de hora, e até das moças demasiadamente atiradas.
 Ele porém, não era lá má pessoa. Presava a modéstia, as delicadezas e também a música. Se encantava pelas pessoas simples e sinceras, apesar de jamais admitir tais coisas.

Ele precisava parecer forte e inalcançável em todos os momentos, caso contrário, ele estaria decepcionando os pais. E isso não o poderia suportar. Sentia-se profundamente angustiado e abalado quando a mais leve brisa soprava sobre sua reputação de herdeiro perfeito e competente. As empresas e todo o império que sua antiquissima família construíra ficaria em suas mãos! Fora nascido e criado para isso.
Então ele passava seus dias contando os próprios passos, sendo cuidadoso com tudo oque fazia. Mas tamanhos cuidados nem sempre eram o suficiente. O que mais poderia fazer?
 Era como um ímã de confusões! Batera o carro do pai, perdera uma joia de família num jogo de pôquer -no qual estava toda sua reputação como melhor em tudo.
E até sua namorada da faculdade, que ele julgava ser a garota ideal, o fez passar por maus bocados. Ela era a mais bonita e a mais popular, mas não a mais confiável.

Assim era sua vida, repleta de tensões por todos os lados. Como um rio corrente no qual ele tentava desesperadamente nadar, mas a correnteza sempre o deixava exausto. Sendo assim, quando o chamavam -aos sussurros e risadinhas irritantes- de carrancudo e de 'poderoso chefão', sentia-se injustiçado e demonstrava isso aumentando o grau de sua rudeza.

Até que seu tio, irmão de sua mãe, disse-lhe algo que o inquietou até a alma. Disse que se ele não houvera nascido tão bem, jamais conseguiria chegar num nível tão alto na sociedade. Seu tio o apontou como um homem comum e sem qualidades marcantes. Seu pai estaria estremecendo no túmulo por deixá-lo pôr todo o império da família em ruínas!

Então, assim que conclui seus estudos até o nível de doutorado, decidiu passar um tempo na América, para então se instalar em algum país promissor, e ali expandir o império de sua família, fazendo com que seu querido tio engolisse cada palavra vexatória que lhe aplicara.


-Por favor, eu preciso de um táxi. - Claude pede ao recepcionista do hotel novaiorquino, no qual ele tinha passado toda sua estadia na cidade, contabilizando quase um mês.

-Sim, claro. Só um minuto senhor. - uma voz feminina responde, oque o faz estranhar. Não se chamava Rogério o recepcionista da tarde?

-Tudo bem...- ele então reparou na moça. Uns vinte e poucos anos, no máximo vinte e seis. Estatura média baixa e um pouco magricela, ele achou. Mas tinha olhos brilhantes, mãos delicadas e um sorriso arrebatador.

-Senhor? - A entonação na voz da moça denunciava que ele estivera perdido em pensamentos, enquanto ainda olhava fixamente para os lábios sorridentes dela.

-Oui? - Claude decide franzir a testa e voltar a usar sua fatal indiferença de sempre.

-O táxi que o senhor pediu chega em cinco minutos. Deseja algo mais?

-Oui... Non.. - Ele sacode a cabeça percebendo a própria confusão. Concentra-se em pronunciar o inglês na mais perfeita forma possível

-Não desejo não, obrigado. Aliás, moça, me desculpe a pergunta mas é que eu estava habituado  com o Rogério, onde ele está?

-Ah o Rogério... - ela tamborila com os dedos no balcão, de olhos baixos- Ele... Ele me pediu para cobri-lo hoje.

-Oh. Mas está tudo bem ? Simpatizo bastante com ele.

-Sim! - ela disse tão depressa que o surpreendeu e ela logo percebeu- Quero dizer, bem, acho que teve de visitar um parente doente, algo assim... - ela dá os ombros ainda com os olhos um pouco arregalados.

-Então, espero que fique tudo bem. - ele se vira para sair, sentindo que algo estranho pairava no ar, apesar de não conseguir entender o porquê. -Obrigado, e desculpe o incômodo.

Ele acena e sai o mais normalmente que consegue. Havia algo diferente naquela moça, ele tinha certeza. Ela não era de todo incomum, mas ele não podia negar que naqueles olhos ocultavam-se alguns muitos segredos, ou mistérios. A baixinha era como uma daquelas paisagens, que ao se olhar de relance nada sobressai, mas quando se observa bem, perde-se o fôlego.

Mesmo em meio a tanta correria, Claude não pôde evitar que certa moça tomasse seus pensamentos. Porquê? Ele não sabia explicar a si mesmo ou apontar um só motivo para tanto alvoroço. Ela era, como já havia assegurado para si mesmo, comum e simples. E depois da segunda frase, aquela moça ficara um pouco constrangida em olhar em seus olhos. O que roubou-lhe um pequeno sorriso disfarçado.

Era um caçador, apesar de saber não necessitar. Ainda que não se apresentasse, algo nele denunciava que era alguém poderoso, no mínimo influente. Claude não sabia disso  porque tentava sempre provar tal coisa para o mundo. Queria  bastar a si mesmo, mas não podia. As palavras de seu tio Pablo lhe asseguravam isso.
A noite chegou, e ele decidiu jantar num lugar mais descontraído do que os super restaurantes onde “pessoas como ele” estariam por todos os lados. Estava cansado de cumprimentar bajuladores ou esnobadores. Queria ser uma pessoa normal- ou quase. Queria voltar a ser aquele garoto da faculdade que ele costumava ser.  Então, encontrou uma cantina italiana bem animada, onde algumas crianças faziam birra, adolescentes comiam pizza e bebês se lambuzavam com molho. Alguns casais conversavam de tão perto que custava a se identificar que se tratavam de duas pessoas, e o cheiro delicioso da comida emanava de todos os lados.

Com um suspiro, ele se sentou numa das mesas e esperou o garçom, que não chegou. Só que ele estava faminto demais para esperar e decidiu ir até o balcão, onde encontrou a moça que passara o dia inteiro se intrometendo em suas reuniões e embaralhando seu inglês.
Claude tentou sorrir. Tentou. Apesar de estar furioso consigo mesmo por sentir aquilo, aquele frio na barriga aquela vertigem... Oque era? Uma garotinha de seis anos? Iria enrubescer? Gaguejar? Ele só  vira a moça sorridente uma vez, por menos de cinco minutos. Nem sabia seu nome!

-Rosa! Que bom que veio! Estava mesmo falando a seu respeito com meu irmão!- uma garçonete loirinha e rexonxuda sorria para  a moça de quem Claude mal podia tirar os olhos- Disse a ele que precisa te conhecer! Ele precisa!

-Donna, que coisa! Eu já disse que não quero conhecer ninguém por agora! Estou focada em minha carreira! E além do mais, vou voltar a meu país na semana que vem.

-Não me diga! - A voz grave parece ter estremecido até os ossos da jovem Rosa, porque foi tremendo que ela reparou na figura do “hospede bonitão” como sua amiga havia lhe descrito o senhor do quarto 508. Ela admitia que ele era bonito, mas não admitia que ele era bom para ela. Ou talvez ela não fosse boa o suficiente para ele.

-O..oi. -gaguejou a moça, se mexendo de maneira estranha no banco do balcão. O movimento de seus olhos denunciam que ela pensara em fugir dali.

-Desculpe se a assustei, senhora. - Claude continuava a encará-la, sem perceber. Ouviu uma voz meio longínqua que assumiu como a da loirinha, se desculpando e saindo de perto dos dois.

-Senhorita.- ela o corrigiu de maneira natural, em voz baixa e sem mudar de expressão. Séria.




-Tudo bem se eu conversar um pouco com você?- ele perguntou de maneira sutil, mudando um
pouco o tom de voz. Talvez tivesse finalmente percebido que a olhava como um predador à presa!

-Tu.tudo.- ela se virou para o balcão. Mas podia ouvir a respiração do estranho, apesar do restaurante estar lotado.

-Você... me daria a honra de me acompanhar numa refeição? Não tenho amigos aqui e é tão ruim comer sozinho!

-Eu estava...- ela parecia constrangida, Claude pensou. Mas não podia resistir à curiosidade crescente sobre ela.

-Ela estava aí justamente esperando uma mesa, senhor! - A loirinha reaparece com uma bandeja de pratos sujos, e pisca para ele- E está lamentavelmente desacompanhada, tenho certeza de que ficará lisonjeada com sua companhia!

Rosa suspira derrotada, meneando a cabeça em direção à Donna. Claude sorriu imaginando que ela estivesse xingando a amiga em pensamento.

-Então.. Vamos? Eu tenho uma mesa e... ali!- ele apontou a mesa vazia, e Rosa sorriu forçadamente com os lábios e se sentou. - Eu ia puxar a cadeira para você, mas foi mais rápida.

-Puxar minha cadeira? Para quê? Eu iria cair!- ela disse de forma séria, quase indignada. Claude não resistiu e caiu na risada.- Está rindo?

-Desculpe moça, nem nos apresentamos. Meu nome é Claude, e o seu?

-Serafina Rosa...- respondeu desconfiada.

-Que bonito nome! Então Rosa, é que eu iria puxar a cadeira para que você se acomodasse nela. Não era para você cair não. Sou um cavalheiro, hã?- Claude arruma a gola da camisa.

domingo, 1 de junho de 2014

Capítulo 60- Senhora

Le Eternel Amour
Tulipe Rouge






Belo dia de outono, céu avermelhado, folhas esvoaçantes dançando pelo ar... O que vejo pela vidraça embaçada da janela parece mais um quadro.
Aquela sensação de estar sempre caindo permanece e reina sobre meus sentidos. Estou sempre enjoada, sempre pareço estar prestes a chorar, a perder a razão.
Agora entendo as cartas de Jean, aquelas que eu nunca consegui entender totalmente antes...



    -Você está tão tão tão linda, mamãe!- vejo a figura estoanteante de Caleb, segurando uma margarida e sorrindo da forma mais maravilhosa que alguém pode sorrir, como só ele sabe. Contenho minhas lamúrias, por saber que daqui a algumas horas o verei pela última vez no prazo que me foi dado, 5 anos.

    -Estou mesmo, filho?
     
    -Está sim!


    -A noiva mais linda de toda a Paris!- Jane piscou para Caleb. A vejo pelo espelho, pedindo ao pequeno que nos deixe a sós.

-Você parece exausta, Rosa. - o tom sério dela me põe em estado de alerta.Seus intimidadores olhos  me analisam e os braços se cruzam num gesto impaciente.

-Então cadê a noiva mais linda de toda Paris?...- resmungo, ao que Janete levanta uma sombracelha. Me viro para encará-la.

-Vai fugir, não vai?

-O quê?! - Busco apoio no espelho, evitando uma queda de dramática teatral.

-Não finja indignação!- o tom  era frio e impassível.

-Quem é você e oque fez com minha cunhada doce e meiga?

-Serafina Rosa... -ela evoca de forma persistente- Trate de me confessar!

-Eu estou bem! E perplexa com essas suas ideias!

-A-RÁ! - Ela estica o dedo indicador para mim e meus olhos saltam- Viu só? É disso que eu estou falando! Você não sabe mentir. Não para mim!

-Janete, quer parar com … - sento no banco no qual dantes me equilibrava em pé. Por precaução.

-Eu não estou blefando, Rosa. Você precisa me contar, ou jamais terá minha confiança novamente. O Claude convive com você a menos de um ano e percebeu que você está diferente, porque eu não perceberia?

-Por favor, não me obrigue a isso! - abaixo a cabeça.

-Obrigue a quê? A dizer a verdade? Eu é que pergunto, cadê a Rosa? A que sempre diz a verdade?

-Não faça isso... - a súplica não era para ela, mas a Deus. Porque tem de ser assim tão grande o meu suplício?

-Você tem quinze minutos até que a cabeleleira chegue aqui para colocar sua grinalda. - abro os olhos e percebo que Janete pendera a cabeça para um lado, ainda de braços cruzados. Ela não iria desistir ainda depois disso!

-A acho desnecessária.- suspiro observando meus próprios pés.

-Mas Joana insistiu que você  usasse. - ela dá os ombros.

-Hum... - a olho de esguelha e ela me encara firmemente.

-Sabe que eu não vou deixar que você se case sem que me conte oque está acontecendo, não sabe?
Então eu suspiro e, de cabeça baixa, faço um gesto com a mão para que Janete se sente no pufe a meu lado.

-Escute, é um segredo de vida ou morte. Por isso quero que você faça oque eu disser, tudo bem? -  digo aos sussurros, com a voz embargada.

-Tá, mas..

-Shiii... - me levanto de supetão por perceber que alguém girava a maçaneta.

-Ah ainda bem! -Joana aparece impecavelmente arrumada- estão aqui!- anuncia da porta para alguém ao longe no corredor. Era cabeleireira, naturalmente.

-Demorei? - Uma cabeça repleta de madeixas vermelhas como o sangue surge na porta, com brilhantes olhos azuis e um sorriso enorme.

-Eu estarei na recepção. - Janete se levanta e anda até a porta. Eu aproveito que Joana e a cabeleireira se ocupam com os produtos de beleza  e corro até a porta.

-Espere! - seguro o braço de Janete- Eu tenho algo para você!

-Oque é?

-É o meu segredo. Não me pergunte nada. No carro eu o entregarei a você, e te explico melhor!

-Tudo bem... - ela me olha ainda desconfiada- Agora vai! Não pode se atrasar muito, o reverendo tem mais dois casamentos depois do seu!

-Tá...- volto a sala e aos preparativos de minha tragicomédia. Só que sem a parte da comédia.