Havia um certo rapaz, que vivia reclamando de tudo em sua vida. Reclamava de como estava sempre nublado, das risadinhas fora de hora, e até das moças demasiadamente atiradas.
Ele porém, não era lá má pessoa. Presava a modéstia, as delicadezas e também a música. Se encantava pelas pessoas simples e sinceras, apesar de jamais admitir tais coisas.
Ele precisava parecer forte e inalcançável em todos os momentos, caso contrário, ele estaria decepcionando os pais. E isso não o poderia suportar. Sentia-se profundamente angustiado e abalado quando a mais leve brisa soprava sobre sua reputação de herdeiro perfeito e competente. As empresas e todo o império que sua antiquissima família construíra ficaria em suas mãos! Fora nascido e criado para isso.
Então ele passava seus dias contando os próprios passos, sendo cuidadoso com tudo oque fazia. Mas tamanhos cuidados nem sempre eram o suficiente. O que mais poderia fazer?
Era como um ímã de confusões! Batera o carro do pai, perdera uma joia de família num jogo de pôquer -no qual estava toda sua reputação como melhor em tudo.
E até sua namorada da faculdade, que ele julgava ser a garota ideal, o fez passar por maus bocados. Ela era a mais bonita e a mais popular, mas não a mais confiável.
Assim era sua vida, repleta de tensões por todos os lados. Como um rio corrente no qual ele tentava desesperadamente nadar, mas a correnteza sempre o deixava exausto. Sendo assim, quando o chamavam -aos sussurros e risadinhas irritantes- de carrancudo e de 'poderoso chefão', sentia-se injustiçado e demonstrava isso aumentando o grau de sua rudeza.
Até que seu tio, irmão de sua mãe, disse-lhe algo que o inquietou até a alma. Disse que se ele não houvera nascido tão bem, jamais conseguiria chegar num nível tão alto na sociedade. Seu tio o apontou como um homem comum e sem qualidades marcantes. Seu pai estaria estremecendo no túmulo por deixá-lo pôr todo o império da família em ruínas!
Então, assim que conclui seus estudos até o nível de doutorado, decidiu passar um tempo na América, para então se instalar em algum país promissor, e ali expandir o império de sua família, fazendo com que seu querido tio engolisse cada palavra vexatória que lhe aplicara.
-Por favor, eu preciso de um táxi. - Claude pede ao recepcionista do hotel novaiorquino, no qual ele tinha passado toda sua estadia na cidade, contabilizando quase um mês.
-Sim, claro. Só um minuto senhor. - uma voz feminina responde, oque o faz estranhar. Não se chamava Rogério o recepcionista da tarde?
-Tudo bem...- ele então reparou na moça. Uns vinte e poucos anos, no máximo vinte e seis. Estatura média baixa e um pouco magricela, ele achou. Mas tinha olhos brilhantes, mãos delicadas e um sorriso arrebatador.
-Senhor? - A entonação na voz da moça denunciava que ele estivera perdido em pensamentos, enquanto ainda olhava fixamente para os lábios sorridentes dela.
-Oui? - Claude decide franzir a testa e voltar a usar sua fatal indiferença de sempre.
-O táxi que o senhor pediu chega em cinco minutos. Deseja algo mais?
-Oui... Non.. - Ele sacode a cabeça percebendo a própria confusão. Concentra-se em pronunciar o inglês na mais perfeita forma possível
-Não desejo não, obrigado. Aliás, moça, me desculpe a pergunta mas é que eu estava habituado com o Rogério, onde ele está?
-Ah o Rogério... - ela tamborila com os dedos no balcão, de olhos baixos- Ele... Ele me pediu para cobri-lo hoje.
-Oh. Mas está tudo bem ? Simpatizo bastante com ele.
-Sim! - ela disse tão depressa que o surpreendeu e ela logo percebeu- Quero dizer, bem, acho que teve de visitar um parente doente, algo assim... - ela dá os ombros ainda com os olhos um pouco arregalados.
-Então, espero que fique tudo bem. - ele se vira para sair, sentindo que algo estranho pairava no ar, apesar de não conseguir entender o porquê. -Obrigado, e desculpe o incômodo.
Ele acena e sai o mais normalmente que consegue. Havia algo diferente naquela moça, ele tinha certeza. Ela não era de todo incomum, mas ele não podia negar que naqueles olhos ocultavam-se alguns muitos segredos, ou mistérios. A baixinha era como uma daquelas paisagens, que ao se olhar de relance nada sobressai, mas quando se observa bem, perde-se o fôlego.
Mesmo em meio a tanta correria, Claude não pôde evitar que certa moça tomasse seus pensamentos. Porquê? Ele não sabia explicar a si mesmo ou apontar um só motivo para tanto alvoroço. Ela era, como já havia assegurado para si mesmo, comum e simples. E depois da segunda frase, aquela moça ficara um pouco constrangida em olhar em seus olhos. O que roubou-lhe um pequeno sorriso disfarçado.
Era um caçador, apesar de saber não necessitar. Ainda que não se apresentasse, algo nele denunciava que era alguém poderoso, no mínimo influente. Claude não sabia disso porque tentava sempre provar tal coisa para o mundo. Queria bastar a si mesmo, mas não podia. As palavras de seu tio Pablo lhe asseguravam isso.
A noite chegou, e ele decidiu jantar num lugar mais descontraído do que os super restaurantes onde “pessoas como ele” estariam por todos os lados. Estava cansado de cumprimentar bajuladores ou esnobadores. Queria ser uma pessoa normal- ou quase. Queria voltar a ser aquele garoto da faculdade que ele costumava ser. Então, encontrou uma cantina italiana bem animada, onde algumas crianças faziam birra, adolescentes comiam pizza e bebês se lambuzavam com molho. Alguns casais conversavam de tão perto que custava a se identificar que se tratavam de duas pessoas, e o cheiro delicioso da comida emanava de todos os lados.
Com um suspiro, ele se sentou numa das mesas e esperou o garçom, que não chegou. Só que ele estava faminto demais para esperar e decidiu ir até o balcão, onde encontrou a moça que passara o dia inteiro se intrometendo em suas reuniões e embaralhando seu inglês.
Claude tentou sorrir. Tentou. Apesar de estar furioso consigo mesmo por sentir aquilo, aquele frio na barriga aquela vertigem... Oque era? Uma garotinha de seis anos? Iria enrubescer? Gaguejar? Ele só vira a moça sorridente uma vez, por menos de cinco minutos. Nem sabia seu nome!
-Rosa! Que bom que veio! Estava mesmo falando a seu respeito com meu irmão!- uma garçonete loirinha e rexonxuda sorria para a moça de quem Claude mal podia tirar os olhos- Disse a ele que precisa te conhecer! Ele precisa!
-Donna, que coisa! Eu já disse que não quero conhecer ninguém por agora! Estou focada em minha carreira! E além do mais, vou voltar a meu país na semana que vem.
-Não me diga! - A voz grave parece ter estremecido até os ossos da jovem Rosa, porque foi tremendo que ela reparou na figura do “hospede bonitão” como sua amiga havia lhe descrito o senhor do quarto 508. Ela admitia que ele era bonito, mas não admitia que ele era bom para ela. Ou talvez ela não fosse boa o suficiente para ele.
-O..oi. -gaguejou a moça, se mexendo de maneira estranha no banco do balcão. O movimento de seus olhos denunciam que ela pensara em fugir dali.
-Desculpe se a assustei, senhora. - Claude continuava a encará-la, sem perceber. Ouviu uma voz meio longínqua que assumiu como a da loirinha, se desculpando e saindo de perto dos dois.
-Senhorita.- ela o corrigiu de maneira natural, em voz baixa e sem mudar de expressão. Séria.
-Tudo bem se eu conversar um pouco com você?- ele perguntou de maneira sutil, mudando um
pouco o tom de voz. Talvez tivesse finalmente percebido que a olhava como um predador à presa!
-Tu.tudo.- ela se virou para o balcão. Mas podia ouvir a respiração do estranho, apesar do restaurante estar lotado.
-Você... me daria a honra de me acompanhar numa refeição? Não tenho amigos aqui e é tão ruim comer sozinho!
-Eu estava...- ela parecia constrangida, Claude pensou. Mas não podia resistir à curiosidade crescente sobre ela.
-Ela estava aí justamente esperando uma mesa, senhor! - A loirinha reaparece com uma bandeja de pratos sujos, e pisca para ele- E está lamentavelmente desacompanhada, tenho certeza de que ficará lisonjeada com sua companhia!
Rosa suspira derrotada, meneando a cabeça em direção à Donna. Claude sorriu imaginando que ela estivesse xingando a amiga em pensamento.
-Então.. Vamos? Eu tenho uma mesa e... ali!- ele apontou a mesa vazia, e Rosa sorriu forçadamente com os lábios e se sentou. - Eu ia puxar a cadeira para você, mas foi mais rápida.
-Puxar minha cadeira? Para quê? Eu iria cair!- ela disse de forma séria, quase indignada. Claude não resistiu e caiu na risada.- Está rindo?
-Desculpe moça, nem nos apresentamos. Meu nome é Claude, e o seu?
-Serafina Rosa...- respondeu desconfiada.
-Que bonito nome! Então Rosa, é que eu iria puxar a cadeira para que você se acomodasse nela. Não era para você cair não. Sou um cavalheiro, hã?- Claude arruma a gola da camisa.