Serafina Rosa Petroni
data de nascimento:
27/05/83
estado civil: solteira
endereço: rua Divina
Providência nº 2010.
telefone: 11 12555 555
formação: técnico em
administração de empresas.
Perfil: pró ativo e
comunicativo. Trabalho em equipe e dinamicidade.
- é... até que não
está mal...
- Mas precisa ser mais
impressionante... tem que brilhar nas mãos do entrevistador!
-Ah isso é verdade. Eu
preciso desse emprego de qualquer jeito, Teresinha!
-Escuta, e se a gente
pedisse ajuda pro irmão do Miltom?
-O Antoninho? De jeito
nenhum! Ele é um metido pervertido, cretino, farabutto!
-Nossa, não tá mais
aqui quem falou. Mas tudo isso é por causa daquele dia que...
-Olha só Terezinha,
não quero falar sobre esse assunto, tá legal?
-tá, tá bem... calma.
Só quis ajudar.
-Eu sei... desculpa.
Mas você entende, não é?
-Claro, eu entendo
Fina.
-Ai não me chama
assim! Eu detesto!
-Okay. Mas e agora?
Vamos deixar assim, ou oque?
- Tenho de entregar
amanhã... a minha amiga disse que a entrevista será lá pela
sexta... ah, tem o Sérgio!
- O Sérgio, claro...
-Ei, pode desfazer esse
sorrisinho, você sabe que o Sérgio e eu somos só amigos!
-Sei... claro que sei.
Vivem grudados!
-Ué.. se somos
amigos.. e desde que o Julio...
-O seu outro grande
amigo.. ops!
-Terezinha!- rosna
Serafina, indignada
-Tá... não me olhe
assim, você dizia a mesma coisa dele!
-No começo sim. Mas
com o Sérgio é diferente. E além do mais, ele é bem mais novo
que eu...
-Ah, sim.. 5 anos. É
demais pra você. Ele é quase um bebê!- aperta as bochechas e faz
bico, gozando da irmã.
-Deus do céu, mas hoje
você está mesmo inspirada! - Rosa se levanta da pequena poltrona, e
leva consigo papel e caneta, pra que seu amigo Sérgio a ajudasse a
escrever o “currículo perfeito”
Claude revira os olhos.
A cabeça pendendo do pescoço, amparada apenas por uma das mãos que
ele tinha afundada na bochecha. Mira um ponto no horizonte pela
janela, tentando se concentrar em algo que não fosse a voz de sua
namorada do outro lado do telefone.
-Oui, claro que eu
estou prestando atenção, chérrie... Non... eu non vou sair hoje
non, eu prometo.
Até parece que uma
noite de terça feira open bar ia sair de cogitação depois
de um dia como esse. Contas e contas , clientes reclamando que tem
muito pó nas obras. Ah, não. Isso é construção civil, pó,
cinza, barulho de máquinas e cimento pra todo lado. Oque esses
arquitetos idiotas estão pensando? Ah, mas não tem problema. Hoje
tem open bar.
-open... - Claude dá
um sorriso.
-Oque você disse?
-Open... ah!!! Frazón,
cala a boca.
-hein? Você fica ai
falando sozinho...
-shiii, não tá vendo
que eu estou ao telefone, hã?
-ok, ok, desculpinha.
Um silêncio se
espreguiça pela sala. Frazão senta-se a mesa, com seu inseparável
sorriso. Tremenda falta de sorte o amigo ter um dedo podre. Escolheu
a mais grudenta do quarteto fantástico. Mas isso de escolher uma não
era pra ele próprio que, salvo a ruiva do amigo, saíra com todas as
outras três.
-ei, essa conversa de
uma via só não acaba não? Tem uma pilha de relatório pra fazer,
sabia?
-shii.. ela tá falando
de ir passar o fim de semana no Rio de Janeiro com as Power Puff!
-oqueee??? Como assim,
e eu vou sair com quem?- Frazão se aproxima do telefone tentando
ouvir a conversa
-Shiii! -Claude se
esquiva. - Chérrie, eu tenho de desligar. Estou sem secretária
ainda, você sabe... tem um monte de relatório e trabalho chato pra
fazer... tá, ligo sim. Outro.. - Faz cara feia, pois Frazão imitava
Nara.
-Ha, não sei como você
aguenta essa jararaca!
-Frazon, non ouço
nada. Diga oque quiser, porque hoje, eu só escuto anjinhos em coro :
“open bar”, a mais perfeita desculpa que eu encontro pra sair da
abstinência e cair na farra. Ah, e quem resiste as plaquinhas
brilhando?
-É Francês, tô vendo
que suas promessas de ano novo não valeram muita coisa.
-Que promessas oque?
-Ué, as promessas.
Você disse que ia se casar esse ano, ia virar um homem sério,
respeitoso, de família. Que não ia mais beber...
-ah, essa última ai é
muito forte. Como isso? Eu devia estar bêbado! Bêbado prometendo
non beber nunca é serio. Non me cobre isso non!
-Tá. Você nem tava
bêbado. Estava feliz. Tinha fechado o contrato com aquela
metalúrgica lá, ia começar as obras dos armazéns, ganhar muita
grana... e tava se acertando com Nara de novo.
-É eu estava feliz
mesmo. E Nara foi mesmo parte importante disso. A mulher de minha
vida.
-Ela só estava no
lugar certo na hora certa. Você tinha sido chutado, estava triste,
carente e bêbado. Ela te levou no bolso, e foi isso. Depois,
caprichosa e cheia de artimanhas, ela te convenceu a entrar nessa
furada que vocês chamam de “relacionamento sério”
-Ah Frazon, você é
muito chato. Pelo menos eu sempre tenho com quem sair, quando eu
quero.
-É. Mas o problema é
que mesmo quando você não quer, como agora...
- E quem foi que disse
que eu não queria?
- quem é que estava ai
com cara de tédio, balbuciando “open bar”???
-Frazon, vamo
trabalhar, hã? E vê se me arranja uma secretária boa logo, hã?
-Mas a Judite era boa!
Você mandou ela ir em bora semana passada nem sei porque. Nara é
uma despeitada.
-Era boa... boa só ser
for de rebolado, porque de serviço... vou te contar... fiquei aqui
até 11 da noite refazendo todo o trabalho que era dela... haja
incopetência...
-Ah para de reclamar.
No primeiro dia você parecia bem satisfeito.
-Ela era bonita. É
verdade, isso impressiona um pouco. Mas dai, vi que era ton burra
quanto. Non ia dar certo, Frazon.
-Mas então, oque vai
ser? Open bar hoje e secretária competente, mesmo que seja feinha?
-Issi! É até melhor,
assim non corro o risco de Nara querer bater ponto todo dia aqui como
quando Judite estava na empresa.
-é.. seguindo essa
linha de pensamento... Eu voto a favor!
Vamos, vamos Fina!
-Sérgio, não!
-Ah, qualé? Eu te
ajudei, você me deve essa!
-Mas amanhã vou
levantar cedo e tudo mais!
-Não quero saber,
dívida é dívida!
-Eu sei... Mas é que..
-Rosa, por favor? Eu tô
imploraaando. A Cleide acaba de me dar um toco colossal, você tem
que me animar, que amizade é essa?
-Amanha eu tenho
entrevista... e não me olhe desse jeito.Você nem está tão triste
assim.
Sérgio faz bico e
abaixa a cabeça.
-Tá bem... você tem
razão. Me espere ás 8. Vou pra casa me arrumar, tá?
-Êê! Não se atrase
ein? Ah, e é por minha conta!
- isso é que é boa
notícia! -Rosa sorri indo em direção a sua casa.
-Hoje esse lugar tá
fervendo!
-Ah isso nem me
interessa, eu só quero beber!
-credo, Claude, assim
você me corta o coração. Eu aqui todo feliz, e você com essa
carranca!
-Non enche non Frazon.
A noite é uma criança.
-criança não sei
mas... Ninfa de olhos verdes... - Frazao sorri olhando de cima a
baixo uma morena de vestido azul
-Eu vou no bar.
-vá, vá lá...
chispa- disse sem nem tirar os olhos da moça que percebeu e sorria
pra ele.
-Ai, não devia ter
vindo...
-Já vai começar,
Fina?
-Calma, Sérgio, eu ia
dizer: não devia ter vindo com esses sapatos! São desconfortáveis.
Eu mal posso andar, imagina então dançar?
-Ah não! Como assim? E
com quem vou dançar?
-Como com quem? Vai
chover de mulher louca pra dançar contigo, menino!
-Não me chama de
menino... - Sérgio sorri sem graça. - eu sei que sou mais novo, mas
não tanto assim, hã?
-Tá bom, desculpa.
Agora vamos? Que tal uma bebida pra esquentar?
- ótima ideia.
-Ei, olha ali! É a
minha amiga!
-A de Azul?
-É sim!
-Uau... e como é o
nome dela?
-Janete.
-Me apresenta?
-Claro! Vem!
Os dois vão andando em
meio a multidão que dançava e se espremia na boate, até chegar ao
bar, onde Janete estava sentada voltada para a pista. Ao reconhecer
a amiga saltou do banco para abraçá-la.
-Ai amiga, isso é um
milagre!
-oque? Nos encontrarmos
por acaso?
-Não né ? Milagre é
você estar aqui, numa balada, e a noite!
-Ei que isso? Oque você
tem contra as matinês?
-Nada não... - diz a
moça que agora reparara no sorriso largo e convidativo de Sérgio
- Me chamo sérgio.
-Ah, desculpa gente.
Sérgio, Janete, Janete, Sérgio.
-Encantada.
-E ai, quer dançar?
-Claro! Você se
incomoda, amiga?
-É lógico que não,
vao lá. Eu vou pegar uma bebida!
-okay, é só uma e a
gente já volta!
-sei... -responde Rosa
pra si mesma, pois os dois já haviam desaparecido na multidão.
Ah! A tão familiar
solidão.... Corriqueira, rotineira, quase amiga.
Se não fosse tão
ingrata....
-É.. hoje o mar non tá
pra peixe. - uma voz disse. Real, irreal, imaginária... quem é que
sabe, depois de uns 10 drinques?
- Oque?
- Non está... pra
peixe non. - um copo bate na mesa e ela levanta a cabeça. Era real.
Um homem meio barbudo, meio descabelado. Alto. Ou ela que estava alta
demais
- Você... tá falando
de que?
-Ai depende... você
consegue entender sentido figurado?
-Sim.. eu entendo. Mas
porquê?
-Ah que bom. Graças a
Deus uma mulher que entende sentido figurado. É que ultimamente...
eu non tenho dado sorte.
-Moço, você quer que
chame um táxi?
-Non, non precisa non,
mas obrigado.
-Você disse que o mar
não está pra peixe. Mas eu acho difícil pegar um peixe só no meio
de tantos, veja. Esse lugar está um caos.
Por uns minutos os dois
ficam olhando para a pista de dança, que estava tão cheia e tão
desordenada, que era meio assustador olhar de fora.
-Você... non gosta de
multidon?
-Depende. De uma coisa
assim, não muito.
-É.. eu também non.
-Então... porque veio
aqui?
-Pela bebida. Mas e
você?
-Por um caso de dor de
cotovelo.
-Pardon, non entendi.
Por um caso de quê?
-Meu amigo foi chutado,
e queria se animar. - ela da os ombros. Os dois suspiram ainda
olhando a pequena multidão se agitar ao ritmo eletrodance
-E quem não foi? -
ambos dizem a uníssono. E gargalham como bêbados que estavam.
-Isso foi tão...
brega! - Rosa gargalha
- a vida é brega.
-mas essa frase é pop.
Muito pop! - ela toma mais uma golada de bebida enquanto o homem a
observava mais atentamente.
A moça era meio
baixinha, e parecia bem delicada. Ela tinha um pouco de maquiagem
nos olhos e batom vermelho nos lábios. Usava um vestido de cetim
azul escuro, que naquela luz, ele decidiu que era mais como preto.
Pode até ser uma aparência meio comum, mas ela tinha uma
inteligencia e sagacidade bem incomum. Era inevitável parar de falar
e apenas observar o sorriso dela, a maneira com que ela se
movimentava, a forma como seus olhos se ascendiam ao falar sobre
qualquer coisa banal...
-Nossa, eu tô mesmo
bêbado. - constata o homem, absorto em seus devaneios.
-É eu também! - ela
riu novamente.
-Ei, quer saber, quer
mais uma rodada?
-Com certeza!
Um zumbido lhe irrita
as orelhas, como se as asas de um mosquito preguiçoso voasse
lentamente ao redor de sua cabeça, que então, se afunda debaixo do
travesseiro. Mas é necessário respirar. Então, acidentalmente, os
olhos se abrem e as orelhas percebem que o mosquito é na verdade
trim trim numero 3, seu toque despertador do celular, que estava
enfiado em algum longínquo lugar pelo quarto.
Se senta num ataque de
pânico ensaiado.
-Ei, onde é que eu tô?
- ao se fazer essa pergunta, a moça gira lentamente o pescoço, ao
perceber que não estava sozinha na cama. Ela precisava achar o
celular. Então se levantou. Tomando antes o cuidado de se cobrir
antes de saltar por ai, nesse lugar que lhe era estranho. O lençol
estava preso sob o peso de um corpo bem maior que o seu, logo, o
plano b consistia numa camisa de linho branco com finas e cinzentas
listras verticais abandonada num lado da cama.
-Droga, justo branca!
-ela abotoa a quase transparente camisa fazendo careta, e procurando o
celular ao mesmo tempo.
E depois de longa saga
de alguns segundos, o som se esgota e ela não o encontra. Subindo no
colchão e olhando para o leito como quem se apronta para pescar um
peixe com as mãos, ela se apronta para mais uma demanda, ficando
bem quieta. No instante que o som recomeçasse, ela o encontraria na
hora.
-Drooga! - o trim trim
vinha de debaixo do tórax daquele ser que se esticava sobre a cama,
como se seus braços e pernas não tivessem fim. - onde é que eu me
meti?
Sem ter outra
alternativa, Rosa se debruça sobre o corpo, e estica o braço
tentando movê-lo. Mas justo quando sua mão alcança o aparelho de
celular, e o desliga, o homem segura seu braço , a derrubando sobre
ele.
-ei!- ela se debate
-Mas oque é isso, hã?
Non seja ton indelicada comigo... - ele a põe de costas e a encara
-Você non me disse seu
nome.
-você também não.
-Claude.
-Bem francês mesmo,
né? - ela ri. Ele lhe mordisca a orelha
-Sua vez
-Rosa.
-Que coisa mais típica,
hã? Nome de flor é ser ton brasileiro, non?
-Cala a boca.
-Ótima ideia. - Claude
a beija. Até que em instantes o aparelho dela volta a tocar, só que
com um som diferente. Ela o empurra, que com a surpresa dupla, cai
para o lado.
-alô? - diz ela se
levantando novamente, procurando suas roupas.
-ei, volta aqui... -
se levanta também e a abraça pelas costas. Rosa olha pela janela e
sente um frio na barriga. Deviam estar na cobertura do prédio. Era
muito alto. E ela nunca gostara de altura.
-Eu já estou a
caminho, não se preocupe.... tenho de desligar, tchau.
-Rosa.. oque foi? - ele
a encara, percebendo que a moça estava bem séria.
-Em que parte da cidade
estamos?
-No Morumbi... mas
porque?
-Eu tenho que ir.
-Onde? Quer que eu te
leve?
-Não, não precisa.
Obrigada. eu... posso usar seu banheiro?
-Claire, fique a
vontade.
Ela pega o vestido e a
bolsa, e fecha a porta do banheiro. Claude fica parado lá, ainda
olhando para a porta. Porque tinha vontade de estar lá com ela? Que
coisa era essa? Ela era só mais uma.. simples assim. Mal se
conheciam e foi tudo tao... confuso. Estavam bêbados e meio
deslocados. Foi natural.
-Droga, acho que foi
totalmente natural. Tanto que fomos irresponsáveis.. mas non quero
ser indelicado com ela..e ela pode se ofender.. ia ser ton...
-Eu já estou indo... -
ela reaparece do banho, fresca como se estivesse acabado de se
arrumar pra sair pela primeira vez.
-Como fez isso?
-Isso oque?
-Nem parece que acordou
a pouco.. está ton.. perfeita, alinhada.. - ele pisca pra ela, se
aproximando. Ela dá um sorriso que faz as pernas dele tremerem. Os
dois se beijam um pouco, até que o celular de ambos tocam,
deixando-os atônitos com o barulho que quebrara o silêncio e a
calma da manhã . Era uma quarta feira bem agitada, aquela.
Rosa se despede dele
com um selinho e sai correndo. Precisava estar com dois cafés da Starbucks nas mãos em meia hora, em frente ao prédio de seu futuro
emprego. Não teria erro. Estava tudo planejado. Sérgio e Janete lhe
deram todas as coordenadas, o emprego já era seu.
-O elevador abre em
cinco, quatro... - ela olhava o marcador na parte superior da porta
do elevador. Estava com a pasta, e os cafés. Era só dar os dois
passos desajeitados mais ajeitados de sua vida até aquele momento.
Frazão dá um sorriso,
mesmo estando de óculos para disfarçar a ressaca iminente. E nem
conseguira falar com secretária de olhos verdes direito. Um malandro
dançou com ela a noite inteira! Devia ter se juntado a Claude e
beber bastante, como “a noite dos cornos”. Mas viu que o amigo se
dera melhor que ele, e em nome da amizade e da esperança do francês
largar a jararaca ruiva, ele se manteve longe do amigo e sua
acompanhante baixinha e sorridente, que ele mesmo mal notara.
-Bom dia! - uma voz
feminina diferente das abituais soa pela recepção e Frazão se vê
obrigado a olhar para trás. A secretária de olhos verdes apontava
pra ele e ele quase acreditara que era com segundas intenções, até
reparar na moça, dona da voz, parada de pé em frente a mesa com
dois cafés nas mãos.
-doutor Frazão?- a
moça sorri
-oh, meu Deus, isso é
pra mim? Você veio voando do céu, é isso? Venha, vamos fazer essa
entrevista já, porque é urgente, minha mais nova musa!
Claude chega duas horas
depois, menos mau humorado do que estaria num dia como aquele, tão
cheio e com toda aquela enxaqueca que sentia. Porém, também estava
mais pensativo que o normal.
-doutor, sua namorada
ligou pra cá agora pouco para avisá-lo que só voltará na próxima
segunda.
-Obrigado, Janete. -
sorriu pensando “ enfim, uma boa notícia!”- Algo mais?
-Doutor Meneses disse
que a reunião pra sexta de manhã está confirmada, e me mandou o
endereço do restaurante.
-okay. E as planilhas?
-Metade estão prontas,
e a outra metade está com Gurgel. As prontas estão em sua mesa,
doutor.
-Tudo bem enton,
Janete, obrigado. Non repasse ligações antes das 14 horas, okay?
Estou com dor de cabeça, non posso atender ninguém assim.
-sim senhor.
-Onde está Frazon?
-Em entrevista com uma
candidata a secretária, doutor.
-Ah. Enton, quando ele
terminar, peça que vá a minha sala.
-Ok.
Frazão se
impressionara com aquela moça. Ela era atenta, firme, e tinha um
currículo bem acima do nível de suas concorrentes. Era ela, com
certeza. E como Claude lhe dera carta branca...
-Faz assim, passe no
D.P, e comece na sexta, oque acha?
-É sério?
-Seríssimo!
-Doutor, muito
obrigada! - eles apertam as mãos.
-Eu é que agradeço! -
sorri aliviado. Menos um problema! Ele acreditava estar diante de sua
possível substituta no quesito “resolver casos sem solução” e
“tratar dos urgentes e desesperados casos de desespero”. Os dias
péssimos seriam só ruins. Ela era como doutorzinho pra seus
músculos cansados, o reumatismo da empresa agora seria tratado por
pequenas mãos ágeis que assinara o contrato e lhe agradecera com um
firme aperto.
-Ai ai, a vida é
bela... - Frazão sorri observando a moça entrar no elevador. Janete
percebe o olhar dele e derruba um peso de papel, bufando em seguida.
Frazão alarga o sorriso pensando no quanto ela se incomodara. O
plano havia funcionado. A musa de olhos verdes não lhe era alheia.
-Fina, onde você
esteve?
-Isso é o de menos,
Terezinha, o importante é só uma coisa!
-Oque? Você e o sérgio
estão juntos?
-Não! Mas que ideia!
-Então oque?
-Eu consegui o emprego,
irmãzinha!
-Jura?- Terezinha sorri
-Sim! Sua irmã está
empregada novamente! E em tempo recorde!
-Fina, estou tão
orgulhosa de você!
-ei, essa fala é
minha, hã? Eu sou a mais velha! -
- E começa quando?
- Na sexta!
-Que ótimo! Ai,
graças a Deus!
-É sim. Ainda bem que
deu tudo certo. Estava com medo de passar por tudo aquilo novamente,
ter de ligar pros nossos pais, e dizer que não tínhamos dinheiro de
novo...
-É. mas isso não vai
mais acontecer. Deu tudo certo!
-E enton, Frazon, ela é
boa?
-Muito boa, amigo! -
Frazao esfrega as mãos.
-Mas de novo isso,
Frazon?!
-Calma Claude. Não é
duplo sentido não.. quero dizer, até é. Porque ela é boa no
sentido ambíguo também.
-Mais essa... não é
analfabeta funcional como a Judite, é?
-Ah não. Essa é
técnica em ADM, e também tem inglês fluente. Trabalhava pra
concorrência até 15 dias atrás... saiu de lá por que o pai
adoeceu e ela precisou ficar com ele, perdeu 10 dias de trabalho e
foi demitida. Está tudo formalizado. Trouxe até o atestado...
-Nossa. Comovente....
Mas... pelo menos nós saímos ganhando duplamente. Além da
escolaridade, a experiência dessa mulher, mesmo que for um tribufu.
-Não é tribufu não,
amigo. Aliás... é um caso a se pensar...
-Ei, nada disso Frazon.
Essa parece ser dessas que processam por assédio e toda a histeria
que uma cantada quase inocente sua pode gerar.
-Pois eu digo que ela
se sentiria lisonjeada. Eu não tenho culpa se você não sabe como
tratar uma dama.
-A dama no caso é a
secretária?
-Eu é que não sou,
né?
-Ah, chega de falar da
secretária.
-Ei, e ontem?
-Ontem oque?
-A baixinha lá. De
cabelo comprido... como foi?
-Foi ué.
-Foi?
-Oui. Porque? Você não
conseguiu nada com a sua “ninfa de olhos verdes”?
-Nem me fale dela. Um
sujeito lá dançou com ela a noite inteirinha. E você lá com sua
baixinha, e depois me deixou sozinho. Mas como você sabe, eu sozinho
não fico..
-Foi pra casa dormir? -
Claude zomba
-Não, né.
-Sei.
-Não vai mesmo me
falar da baixinha?
-Que interesse todo é
esse?
-É que eu quero medir
o “seu” interesse nela. Pro caso de rolar um telefone e tudo
mais.
-Mas oque é isso
Frason? E nosso pacto?
-E que pacto? Sou de
todas, meu amigo. Sem exessões.
-Que amigo fui arrumar,
viu... vou te contar...
-E o telefone?
-Ein?
-O telefone, da moça
de azul.
-Essa era a tua. Como
vou saber?
-Não ,não. A tua, a
baixinha. O vestido dela era azul marinho.
-Que bixisse Frazon!
Pra mim era preto. Mas no fim nem importa. E non tem telefone non,
ela saiu correndo.
-Como assim?
-De manhã... Ela
recebeu uma ligaçón e saiu correndo. Deve ser coisa de trabalho,
non sei. Mas se estou certo, e sempre estou, ela vai dar um jeito da
gente se esbarrar de novo... - Claude dá um sorriso malicioso.
-Então, pela sua
alegria, vejo que a noite foi mesmo incomum. Você nunca gosta que te
procurem de novo...
-É. Foi incomum sim...
ela é incomum...
-Então Fina, o patrão
hoje está fora, e pelo jeito nem virá aqui hoje. Então, podemos
aproveitar o dia pra você se adaptar e surpreendê-lo na segunda!
-Isso parece genial,
Janete! Ah, oque seria de mim sem você?
-Seria a mesma Serafina
brilhante e maravilhosa que é, amiga. Bom, essa parte não é nada
demais. É só a papelada que o doutor Frazão redige , você edita
e o doutor Geraldy assina tudo.
-Entendi. É mais ou
menos como na North White. Com a diferença que aqueles americanos lá
são muito chatos me sobrecarregavam o tempo todo... espero que aqui
não seja assim..
-Fica tranquila.
Sobrecarregar só em sazonalidade muito muito intensa. Mas de resto o
serviço é pesado, mas dá pra levar normalmente, sem estresse. A
parte dos balancetes financeiros também passa por nós duas. O
lançamento deles no sistema é feito pela secretaria, mas o controle
primeiro passa pro doutor Egidio e depois pro doutor Geraldy. Olha
amiga, nunca esqueça de repassar, e tem de conferir tudo antes,
okay?
-Tá bem. Na North White
eu é quem recalculava os balancetes.
-Ual.. bom, pelo menos
aqui não é tanta responsa nas suas costas. O revisamento é feito
pela diretoria direto, do jeito que vem do financeiro. Mas temos
sempre que conferir as datas e os valores brutos. Mas isso você tira
de letra, como sempre!
-Amiga, eu sou segunda
secretária, né? Quero dizer, eu sou nova aqui, e vou estar debaixo
de sua guarda, certo?
-Bom... como só temos
três acionistas, essa de primeira e segunda é desnecessária. Eu
vou te supervisionar só um pouco, quem vai fazer isso mesmo é o
doutor Frazão. E depois, você tá na vaga da Ana, a antiga
secretária do patrão, o dono da empresa, que é o doutor Geraldy.
Mas ela se casou e foi morar no interior do estado. Depois veio a
destrambelhada da Judite, que não ficou nem dois meses. Além da
incompetência, era uma mocreia e vivia dando em cima do patrão e
foi despedida, porque a namoradinha do patrão a odiava.
-Nossa.... Mas e
porque você diz “namoradinha”?
-Ah porque é o que ela
é. Ela se diz noiva do doutor, mas na verdade é só um
relacionamento grudento.
-Ué, se são
grudentos, o noivado é plausível...
-Não... ela é
grudenta. O patrão fica sempre muito aliviado quando ela viaja,
quando ela o deixa respirar!
-Credo... que
esquisito. Porque ele não termina com ela, então?
-Acho que ele tem medo
de ficar sozinho. Eles são do mesmo nível social, oque dá certa
segurança pra ele como homem...
-Como assim?
-Ele só encontrava
moças interesseiras, oportunistas... Dessas que só querem saber de
dinheiro. Daí conheceu a atual. Bem num dia em que ele estava
chorando as pitangas por causa de uma “desalmada” aí. Uma modelo
linda linda, só que tão ambiciosa que partiu o coração dele. Foi
a única que ouviu sobre casamento da boca dele. Acho que a verdade é
que ele se fechou, e esta com essa moça só por carência.
-Mas ele é fiel?
-haha, oque? Fiel? Só
cachorro, gato e periquito, amiga! Ele continua o mesmo, eu te disse.
Esse namoro, como eu te falei, é só uma questão social. Por isso é
que ele não termina.
-E ela não sabe disso?
-Claro que sabe. Mas
finge que não vê. Ela também tem asinhas e voa pra todo lado. Além
do mais, é filha de um dos sócios, e se os dois terminassem, as
coisas iam ficar instáveis aqui na empresa.
-Instáveis do tipo...
Perda de capital?
-Isso com certeza.
Doutor Egidio só tem ela de filha, e é o interlocutor da maioria
dos investidores... tem uma longa e sólida carreira de engenheiro e
conhece muita gente influente e importante. Seria uma catástrofe.
-Nossa... que horror.
Então, pelo bem da nação, vamos paparicar a pobre menina rica e
usar óculos de sol pra não sermos pegas olhando pro bibelô dela!
-Sim, sim! Mas agora,
vamos almoçar?
-Com certeza, tô
morrendo de fome!
-Ah Finalmente é
sábado!
-E com Nara no Rio, eu
tô sossegado!
-Depois diz que é a
mulher da sua vida. Não aguenta ficar com ela por perto.
-Ah mas isso é a minha
maneira de viver. Eu preciso de espaço, hã? É só isso.
-Ela que é grudenta.
Como uma mulher grudenta pode ser tua alma gêmea?
-Olha Frazon, ela é
grudenta as vezes. Porque noutras, como agora, ela adora viajar. Oque
significa liberdade pra o menininho aqui. Que outro relacionamento
seria melhor que isso?
-Isso quer dizer
“relacionamento aberto”, é isso?
-Non, claro que non.
Isso quer dizer que eu posso respirar.
-Ah tá, e ela? Se os
dois “respiram outros ares”, isso significa relacionamento
aberto, meu bem.
-Non confunda os termos
Frazon. Nara é uma mulher mimada. Ela gosta de passar o dia em spa,
ou tomando sol numa praia ou na piscina, comprar e essas coisas. Isso
non significa que ela vai sair por ai pegando todos non... já pra
mim, por outro lado...
-Então, em sumo, isso
não tem nada haver com amor. Muito menos o amor da sua vida, amigo.
-Frazon, isso ai é
coisa de novela, hã? Deixa essa parte pra Robertinha, que ela
entende bem. Isso aqui é vida real, hã?
- O que significa que
você falar que Nara é a mulher da sua vida é na verdade baseado na
relação “menos pior” das que você teve antes.
-É uma questão
prática. Ela estava lá disponível, era filha do meu sócio, estava
tudo nos conformes.
-Isso é tão broxante.
Que coisa de interessante realmente esse relacionamento pode ter,
Claude?
-Algo como um fim de
semana inteiro de vale night, meu bem.
-Ih sai pra lá com
essa de “meu bem”. Você não faz meu tipo.
-Cala a boca, imbecil.
-Olha, eu acabei de me
lembrar que marquei com uma morena espetacular hoje pra almoçar...
-Ei como assim? E eu?
-Você oque? Se liga,
ô! Onde que vou deixar uma morena linda de morrer como a Kelly
esperando?
-Tá bom, já entendi.
Você tem todo direito. Non tem culpa de Nara ter viajado. Se ela
tivesse avisado com antecedência...
-Mas e a baixinha?
-Oque tem ela?
-Ligou ou alguma coisa?
-Non... Também, ela
nem sabe meu nome direito...
-Mas você levou ela no
seu apartamento não foi? Ela pode ter deixado algum recado..
-É... aliás, vou
ligar agora mesmo pra casa e perguntar à Dadi.
-Você podia dividir
ela, né?
-Oque? Frazon, que
história é essa? Tá maluco é? Dividir a mesma mulher com você?
Daqui a pouco vai me aparecer atrás de Nara também!
-Ai, cruz credo,
francês. Atrás daquela lá, nem que fosse a ultima mulher no mundo!
Mas eu nem tava falando da baixinha, ô mente poluída. Tava falando
de Dádi, a governanta, hã? Ela faz umas comidinhas maravilhosas...
você podia era me emprestar ela dia desses..
-Ah. Mas aí é que eu
não divido mesmo. Imagine. Dadi é só minha, hã?
-Francês, você é um
possessivo desalmado e machista também.
-Machista? Mas no que se
encaixa essa afirmaçon?
-Ué, só você pode
sair com outras pessoas e Naja, digo, Nara, não pode... e ainda
reclama dela.
-Frazon isso é
problema meu, tá?
-Ah quer saber? Já
vou.
-Vai, vai, mesmo, amigo
da onça!
-Um dia você ainda vai
agradecer aos céus o privilégio da minha amizade seu desalmado.
Olha eu desejo a você meu amigo, a melhor das coisas pra curar sua
amargura: que se apaixone de verdade, e dez vezes mais do que se
apaixonou pela estúpida da Camila. Aquela mulher era uma cobra ainda
mais venenosa que Naja, digo, Nara. Mas você precisa botar um freio
nisso, amigo. Cara, mulher é bom, mas elas tem sentimentos também.
Nem todas são como a sua ex ou a sua atual, que é tao interesseira
quanto. Querido, viva direito, Claude! Ó: respira, inspira, e vai!
-Vai continua! Non tem
mais? Vou aproveitar e filmar, fazer um site na internet: “Frazon,
o guru do amor.”
- Agora me desinspirei.
Mas ainda tá valendo, ein? E minha palavra é pior que de mãe, é
pá pum!
Eu sei, eu sei. Mas
prometo que chego cedo, irmanzinha.. vai, deixa eu ir?
-Tá, tudo bem. Além
do mais, você é maior de idade. Mas vê lá, ein? Não vai se meter
em problemas, hã?
-Euzinha me meter em
problemas? Que isso Fina, até parece. Você é que é mestre nessa
arte.
-ah, pior que tenho de
admitir dessa vez... mas então me prometa que não fará oque eu
faço, hã?
-hahaha prometo.. mas
e ai? Você vai ficar aqui sozinha?
-Não sei bem... mas
acho que é provável que eu saia com o Sergio.
-Ah, jura?- a garota
revira os olhos- Nem imaginava...
-Terezinha! E isso é
só porque ele quer ver minha amiga do trabalho de novo...
-Sei... a que você
supostamente dormiu na casa, na terça?
-Supostamente?...
-Você mente muito mal,
irmãzinha. Mas vou fingir que acredito. Bom, tá na minha hora!
-Cuidado, hein? E mesmo
se eu não estiver aqui, dona Joana ficou de olhar a que horas você
vai chegar, viu? Então nada de tentar me enganar!
-Outra vez Fina, eu
tenho de discordar dessa inversão de papéis.
-Mas eu sou a mais
velha!
-É .. só que... -
Terezinha ia se gabar de ser mais sensata, mas alguém bate na porta
- ah, é o Milton.. Boa noite, Fina!
-Boa noite, Terê.
Juizo, e olha a hora viu!
-beijo!- se despede da
irmã, que revirava os olhos sorrindo.
Claude... porque não
conseguia se esquecer dele? Do sorriso, da voz profunda, do jeito
solene e malicioso ao mesmo tempo? Da temperatura do corpo dele ou de
como a olhou? O último beijo que trocaram...
-Esquece, Serafina.
Esse cara é só um mauricinho típico, morando num arranha céu e
enchendo a cara rotineiramente. Ah Dio mio, ayuta!
-Fina!
-Já vou, Sérgio!
Os dois caminham até o
ponto de ônibus. Sérgio não parava de falar e fazer perguntas
sobre os gostos de Janete. Rosa achava engraçado todo o interesse
dele na amiga. Mas entre uma pergunta e outra, ela se perdia a pensar
sobre o tal “Claude”.
-Olha, é o nosso! -
uma voz seguida de um som de motor e o vento vindo do movimento do
ônibus a despertaram do transe. No trajeto, Rosa pensara em como sua
vida estava diferente do que ela imaginara. Se os pais ainda vivessem
ali, com ela e a irmã, as duas teriam uma rotina bem diferente.
Perderiam e muito a liberdade que tinham agora.
Mas ela preferiria que
tudo fosse como antes. Quando seu pai era um senhor tão forte e
saudável e cheio de vida. Depois da doença nos pulmões, fruto de
tantos anos respirando poluição ao vender balas junto à rodovia
em frente à uma escola, nunca mais fora o mesmo. Ir para o interior
foi com certeza a melhor das ideias, oque acelerou e otimizou a
recuperação de seu pai tão amado. Mas oque ele diria ao ver suas
filhas saírem a noite, e naquela frequência? Ou saber que depois do
noivado mal sucedido com Júlio, Rosa não se guardara mais?
-Tudo bem que foi só
naquela noite... mas...
-Oque disse, Fina?
-Nada! - Rosa se
espanta ao perceber onde estava.
-vem, é aqui que a
gente desce.
A boate dessa vez era
bem diferente da outra. Tinha bem menos pessoas, era mais como um
lounge bar. Com uma cantora ao vivo, e mesas decoradas com um
jarrinho contendo uma rosa dentro de cada um.
Rosa reparou no
pianista careca e rechonchudo, vestido impecavelmente, apropriado ao
estilo do jazz que tocava. A cantora, negra e glamourosa, se
contorcia na mais envolvente apresentação que presenciara.
-Nossa... esse lugar é
tão...
-Ual..
-Eu ia dizer elegante.
Mas “ual” define.
-A Janete... tá ainda
mais linda..
-ela sempre está
linda, Sérgio.
-Quem sou eu pra
descordar.
Entre os olhares do
casal, Rosa se acomoda na cadeira de madeira alcochoada de um tecido
verde aveludado. Tentava se distrair e olhar as pessoas ao redor. Mas
era tudo tão calmo e tao romantico que ela precisou pedir licença e
ir tomar um ar do lado de fora.
Se lembrou de quando
Júlio a pedira em casamento... foi num lugar como aquele. Um pouco
mais simples e sem a figura da cantora. Mas havia um pianista tocando
Blues e cadeiras acolchoadas. Havia tambem um anel de prata e
champagne.
-Com licença, por
favor? - uma voz soa ao mesmo tempo que mãos pousam em seus ombros,
como quem pede passagem. E ela estremesse ao reconhecê-las. Não
apenas a voz, mas também as mãos. Ela chorou por dentro. Preferia
nunca mais vê-lo.
-Perdão. - Rosa dá um
passo para o lado sem se virar, para ceder a passagem. Permanece de
cabeça baixa, rezando para que o moço desaparecesse de repente,
assim como chegara.
-Non, Rosa, eu non
quero passar. - ele suspirou, ainda tendo as mãos nos ombros dela,
que se retesou ao ouvir seu nome.
-Claude... - ela
finalmente se virou para ele, que a surpreendeu com um beijo urgente.
-Eu sabia que a gente
ia se encontrar de novo!
-Ah é? E como? Colocou
um rastreador na minha bolsa, foi?
-Non...- ele sorri,
sentindo um borbulhar no estômago. Ela era tão esperta! E a forma
como ela se encaixava a ele, o olhar... - mas non seria má ideia,
hã?
-O que faz aqui? Está
com alguém? - ela suspira
-Na verdade non. Sou um
solitário, sabia?
-Ah, finjo que
acredito.
-E você, está
acompanhada?
-Estou de vela. Um
casal de amigos me obrigou a vir. Disseram que ia ser legal, mas a
única coisa legal aqui é que tem cadeiras com veludo e uma cantora
de Jazz.
-Ah, tadinha. Mas e a
bebida, é ruim?
-Meio cara. E também,
depois daquele dia, prometi não beber mais.
-Fez promessa a qual
santo? Nossa senhora dos desesperados?
-Quase isso.
-Se arrependeu?- ele
pisca, ainda a abraçando.
-De quê?
-De mim.
-De você? - ela sorri,
ele acente divertido. - ainda não decidi.
-Que bom. Enton, ainda
há esperança.
-Esperança de quê?
-De você aceitar sair
comigo de novo.
-E a gente já saiu
junto antes?
-Bom, aí depende do
seu ponto de vista. Falar nisso, tive uma ideia... - ele sorri e a
olha de forma enigmática
-O quê? Que ideia?-
ela pisca sem entender. Claude a beija
-Só... vem comigo?
-Pra onde?
-É uma surpresa. Vem?
- ele faz biquinho e cara de cachorro sem dono. Os dois sorriem um
olhando nos olhos do outro.
-Tá... vou pegar minha
bolsa.
-yes! - ele ri. - ei,
Rosa?
-hum? - ela se vira pra
ele, que a surpreende com outro beijo
Rosa não se lembrava
do carro dele, nem de como fora parar no apartamento naquele dia. Mas
se lembrava de ele olhar para ela a cada semáforo. Lembrava de seu
anel prata e vermelho no dedo médio da mão direita, do cabelo
sempre bagunçado...
-Chegamos!
-Que lugar é esse? -
Rosa o olha desconfiada. Era um prédio parecido com oque ela
trabalhava, mas tinha uma fachada diferente.
-A princípio, um
prédio comercial. Mas é o que tem lá em cima que quero te mostrar.
-Não tô gostando do
tom da conversa...
-Calma. Você vai
gostar, eu prometo. Vamos?
-Já estou aqui
mesmo... então vamos...
os dois entram num
elevador de vidro. Rosa detesta aquela sensação e estremece. Claude
discretamente segura sua mão, e vai se aproximando dela
gradativamente. Quando ela percebe, está abraçada a ele, que a
conduz por uma sala de restaurante pela cintura, e pede uma mesa
perto da janela, que na verdade consistia numa enorme vidraça , de
onde se tinha a mais explêndia visão da avenida Paulista.
-Nossa.. esse lugar é
incrível!
-Você é incrível. -
Claude a encarava, que sem graça responde
-Não, Claude. Eu sou
uma mulher simples, de coisas simples. Não tenho nada de
estraorinário. E provavelmente, não sei nada de que você não
saiba.
-Ai é que se engana.
Não sou tolo a ponto de subestimar alguém como você. Tenho certeza
de que você é uma mulher excepcional. E acredite, eu sei oque digo.
-Bom, acho que deve
mesmo ter bastante experiência no assunto. Agradeço, mas ainda
discordo, para ser franca.
Os dois se olham
comicamente, como se disputassem algo, mas de forma divertida. Até
que um mâitre chega e Claude escolhe um vinho para ambos.
-Você é uma má
influência. Eu estava indo bem com minha promessa. E agora veja só!-
Rosa levanta a taça
-Ah, mas é só hoje.
Tenho de te impressionar com alguma coisa... e se tem algo que eu
conheça a ponto de me gabar, é vinho, hã?
-Não tem de me
impressionar, Claude.
-Mas claro que tenho!
Seria non fazer papel de homem, hã?
-Os homens são idiotas
se acham que isso é que vale.
-Sabemos que não vale.
Mas gostamos de ver vocês sentirem pena de nós e que nos consolem
com beijos carinhosos, hã?
-Mas vejam só! - Rosa
gargalha.
Havia uma pequena
psicina decorativa, com luzes que refletiam no teto de pé direito
bem alto. Uma mesa de quatro cadeiras e duas poltronas do outro lado.
Mas os dois tiveram vontade de estar no confortável divã, e os dois
ao mesmo tempo.
-Você vive aqui
sozinho? - Rosa pergunta olhando as formas fantasmagóricas que a
água refletia ao longo da parede até o teto.
-Na verdade non. Tenho
dois empregados e um motorista que estão sempre aqui. Além de meu
melhor amigo, que é como um irmom.
-Hum.. - ela o observa.
Ele parecia pensativo
-Porquê? Tá pensando
em vir me fazer companhia?
-Mas oque é isso?- ela
ri, incrédula- Tá pensando oque de mim, hein? A gente mal se
conhece... -
-Bom... se existe um
estágio de intimidade mais avançado do que oque estávamos a
pouco..
-Claude! - ela bate no
peito dele com o punho. E ele lhe morde o lóbulo da orelha como
punição.
-Non estou mentindo,
estou?
-E além do mais, mesmo
que eu quisesse isso. Você está em um relacionamento, esqueceu?
-Non é bem um
relacionamento.
-Ah não, é?
-Bom... é um
relacionamento.... enrolado. - ele sorri
-Que cafageste... -
Rosa ri. Mas se recrimina por estar ali- Acho melhor eu ir.
-Ei, mas claro que non.
- ele a puxa de volta
-É sério, Claude, eu
tenho que voltar pra casa...
-Mas amanhã é
domingo.
-É... Mas algumas
pessoas trabalham no domingo, sabia?
-Você non.
-Como você pode ter
certeza?
-Você non parece ser
dessas que cometem o mesmo erro duas vezes. - Ele sorri e Rosa revira
os olhos
- Mas cá estamos, não
é?
- Acha que isso foi um
erro?
-Provavelmente. Mas foi
bom errar com você. - ela sorri e Claude lhe pisca
-Teve problemas,
naquele dia? Você parecia atrasada.
-E estava. Só que deu
tudo certo.
-Você é a garota do
“sem problemas”.
-É... Quase. Nem
sempre dá certo.
-Quer subir?- ele a
encara
- Se eu disse que tinha
que ir... - ela choraminga. Mesmo se sentindo tentada.
-Você non tem non...
seja sincera. Escolha ficar aqui comigo...
-Claude... - Ela
resmunga. Ele passa a beijar-lhe o pescoço
-Non seja malvada.
Venha me consolar.
-E a mim, quem vai
consolar quando eu acordar aqui e ver que não devia ter vindo?
-Eu vou. E irei
convencê-la do contrário, eu prometo.
-Tem certeza? Acho que
vou gravar isso. Porque se amanhã você quiser me expulsar ou coisa
assim...
-Non diga bobagens. -
ele sorri- No máximo eu te amarro ao pé da cama pra você non ir em
bora.
-Ah, acho que vou em
bora agora.
-Calma, bobinha, estava
só brincando. Fico feliz em ver que non é como a maioria por aí. É
independente, e livre.
-É eu sou. -uma sombra
passa no olhar dela
-O que foi? - ele
levanta a cabeça dela pelo queixo- falei alguma coisa errada?...
quero dizer, muito errada, que te ofendeu?
-Não... - ela sorri
sem graça. - não liga, não tem nada haver com você... é só...
-É só...
Rosa o olha por algum
tempo e, mordendo o lábio o pegou pela mão e os dois caminharam até
as escadas. De lá Claude a levou nos braços para o andar de cima.
Quando o despertador
toca, Rosa o desliga imediatamente. Teve a sorte de ele estar bem
perto, no criado mudo. Mas então percebe que algo a segurava. Algo
como dois braços envoltos em sua cintura. Ela ficou séria. Mas em
seguida se permitiu sorrir. E o mais de vagar que pôde, virou-se
para Claude que ainda dormitava.
-Bonjour... - ele lhe
beija o pescoço
-Bonjour... - ela ri da
voz dele e aquele tom solene de mordomo.
-Pode me prometer uma
coisa?
-E já começa o dia
assim, meu garoto das solenidades? Com promessas?
-Oui, minha garota do
sem problemas.
-Oque quer que eu
prometa?
-Que non vai me deixar
aqui sozinho de novo.
-Mas que isso? - ela
ri- que carência toda é essa? É melhor você acordar, tomar um
café bem forte, e aí vai se dar conta da tremenda bobagem que tá
dizendo.
-Porque?
-Você não ia querer
passar tanto tempo comigo. Eu sou bem chata.
-Ah, é? - ele a abraça
mais forte, e ela suspira
-Na verdade, é ainda
pior do que parece. E eu não sei cozinhar tão bem...
-Non importa, eu sei.
-Claude lhe pisca um olho e ela levanta as sobrancelhas
- E nem sei lavar
roupas sem manchar de alvejante.
-A gente leva na
lavanderia.
Os dois riem, e se
encaram. Se beijam e Rosa se encolhe no abraço dele.
-Como ela é?
-Quem? - responde de
olhos fechados, já imaginando oque se seguiria.
-A sua namorada.
-A minha...
-Não sei como chamar o
seu rolo. Seria a sua enrolada? - ela ri
-Non seja ton maldosa.
Até parece que ela non fica com mais ninguém.
-E você não se
importa?
-Na verdade non sinto
ciúmes, exatamente. Non é que eu goste de ser corno, mas é que
non sinto nada por ela e provavelmente nem ela por mim.
-Ela também é corna,
se pensar bem. - Rosa revira os olhos- E também não entendo o
fundamento de ter um rolo assim
-É mesmo complicado...
até de explicar.
-Hum.. Quer ovos
mexidos? Isso eu sei fazer!
-É mesmo? Vai me fazer
café e tudo?
-Ei! Ninguém aqui
falou em café!
-Mas ovos sem café...
-Esperava
voluntários... - ela pisca, e ele a levanta junto com ele, a levando
no colo
-Vamos fazer assim,
primeiro um banho, depois o desjejum, hã?
-Parece sensato,
senhor. - ela sorri, se dando conta de que vestia outra camisa dele,
só que essa era azul clara e lisa.
-Non fale assim, parece
minha professora da faculdade.
-É advogado?
-Non.
-Entao oque?
-Você terá de
adivinhar...
-ah não tem graça!
Os dois descem, e tomam
café em meio a sorrisos e beijos. O celular de Rosa toca. Terezinha
querendo saber onde ela se metera. As duas prometeram almoçar na
casa da mãe de Miltom, e a moça estava possessa por a irmã não
estar lá ainda.
-O que foi? - Claude a
observava
-Era minha irmã.
Esqueci que hoje fiquei de almoçar com a sogra dela..
-Ela é a mais velha? -
ele a puxa para seu colo
-Até você?
- Eu oque? - ele sorri
-Ela é mais nova que
eu quase dez anos, ouviu? Não sei porquê dessa mania de dizerem que
eu sou a caçula. Nem sou tão desmiolada assim!
-Non te acho
desmiolada. Mas ela parece ser a mandona da família, hã?
-Isso é verdade. É
bem coisa de caçula, ser mimado e ter isso de “agora, porque eu
quero”. - Rosa revira os olhos sorrindo. E ele lhe dá um selinho
-Oui..
-E você não tem
irmãos?
-Non... non tive essa
sorte..
-E acha isso sorte?
Dizem sempre que é melhor ser filho único...
-Talvez... mas quando
se tem primos.Mas no meu caso, sou filho único de filhos únicos...
meus pais se foram e eu fiquei só.
-Nossa... tadinho! -
ela toca o rosto dele e faz biquinho, numa zombaria tão branda que
ele sorriu e a beijou
-Sabia que você foi a
única pessoa que non me deixou com pena de mim mesmo por isso?
-Eu sou a garota do sem
problemas.
-É sim. - Claude
acaricia os cabelos dela, que o beija repetidas vezes
-Acho que agora é
oficial. Tenho que ir.
-Non vai nem me deixar
te levar em casa?
-De jeito nenhum. Você
não sabe oque são meus vizinhos. São como medusas com vinte
cabeças e com veneno em dobro.
-Nossa, acho que eu non
ia querer conhecê-los, né?
-Não mesmo.
- Non estou
convencido.- ele sorri e faz cara de incrédulo,
-Ficaria surpreso ao
ver que falo sério.
-Está me enganando.
-Não.. -ela ri da
birra dele e o beija
-Nos veremos de novo?
-Eu prometo
- Me disseram para non
confiar nas mulheres.
-Eu te digo o mesmo. -
ela lhe pisca e ri