"Existe uma coisa sobre a música e sobre o
amor, que nunca foi explicado. Na verdade, o amor e a música são coisas tão
parecidas... Ambos envolvem paixão, loucura e êxtase... Em medidas e
quantidades parecidas. O que, aliás, apenas reforça a teoria de que a música
surgiu na tentativa de um apaixonado de expressar oque ele estava sentindo...
Não saiu palavras, mas melodia...
Na
alegria, depois do riso, muitos costumam cantar... Ou na profunda tristeza, a
música está lá, presente, viva."
- É por hoje chega...
Amanhã eu termino essa página...
- Ô Rosa, você ainda
está ai? Nossa seu horário já deu faz tempo menina!
- É eu sei... mas é
que eu acabei me entretendo com meu livro....
- Que livro?
- O meu, horas!
- Ah tá... de novo com
essa estória de escrever livro?
- Assim que lançar, te
dou um autografado tá?
- Tchau Rosita...
Juízo ein!
- Eta mais olha que eu
sou uma menina de respeito ein! de família! hahah Tchau!
Quem vê aquela menina
passando apressada por estar atrasada pra pegar o ônibus... Nada sabe sobre
quem realmente ela é... Sonhadora, responsável e maluquinha... Tudo numa só
criatura inquieta... ou seria quieta? Quando às vezes ela some e de repente é
descoberta num cantinho, lendo um livro, ouvindo uma música no fone de
ouvido... rindo e/ou chorando sozinha?
- Não sabe... Mas como
não sabe se eu te confiei o meu dinheiro e faz mais de dois meses que não vejo
falar dele? Eu preciso saber oque está acontecendo!
- Olha senhor... as
ações que o senhor tinha....
- Tinha? Mas como
tinha? O senhor que não venha me dizer que...
- Sinto muito... as
empresas faliram e as ações... nada mais valem...
Mais um. Claude ajeita
os óculos, estes que só usa para a leitura. Estes que esconde de todos. Mais um
cliente que sai furioso. Mas oque ele pode fazer? Esse é o trabalho dele na
verdade. Ele simplesmente vem e diz: Sinto muito, seu dinheiro foi torrado por
mais um empresário salafrário, que só vendeu ações pra cobrir dívidas. Dívidas
externas, estrangeiras. Como ele poderia adivinhar que esse cidadão tinha conta
no exterior? Como saberia que ele teria um empréstimo não pago? Milionário,
como?
Droga. Se ele for
demitido, como vai poder realizar o sonho de fundar o próprio negócio? Como
poderá ter dinheiro pra permanecer no Brasil sem ter que trabalhar pra outrem?
Se esse visto vencer
de novo... Ah quantas vezes ele pensou em desistir! Quando estava lá, na cidade
natal dele, vivendo na periferia graças a um energúmeno que roubou toda a
fortuna de sua família... aquele cretino que roubou tudo do inventário... tudo
do testamento do pai de Claude... e agora, agora que ele ficou pobre...
nem seus parentes mais próximos abriam os magníficos portões de suas
gigantescas mansões pra ele. Nem um emprego eles lhe deram. Nada.
Ele foi arranjar ajuda
logo com quem? com Frasão, o filho engraçado do também otimista motorista da
família. Depois que tudo aconteceu, o coitado do pai do agora melhor amigo de
Claude teve um enfarto... e os dois
viram pra cá. Para a terra que bem
acolhe a todos. Ou não.
- Claude... Claude
você precisa ter paciência,meu amigo!
- Oque? Eu ter
paciência? Você já reparou em como tudo dá errado pra mim?
- Oque eu reparei foi
em como você reclama de tudo sempre e o tempo todo. Tem que... relaxar um pouco
né?
- Relaxar... estou com
medo Frazón... medo por que vai chegar uma hora em que todos vão se virar pra
mim e me engolir! É! Me engolir!
- De novo aquele
pesadelo lá é? Aquele pesadelo do Tiago te demitindo, da embaixada te caçando
e...
- Das portas da França
se fechando na minha cara...
- Ai nossa você tá é
pirando... Para de ficar se auto-pressionando! É muita coisa pra uma só cabeça!
- Frazón... eu vou pra
casa...
- Tudo bem.. Eu não
vou agora, sabe que eu tenho que estar no fórum do outro lado da cidade hoje a
noite... tribunal importante pra eu assistir...
- Tá... vai com o
carro entón... eu pego um ônibus...
O ônibus que a nossa
Rosa lutava pra alcançar... o ônibus pára no ponto, que fica entre duas
esquinas. Claude vem da rua da direita, Rosa da rua da esquerda... mas bem mais
atrasada...
-Droga... onde está
minha carteira?...
Claude começa a se apalpar, conferindo os
bolsos, ele é o último da fila...
- Se eu perder este...
só pego o das oito!
E as oito, Rosa sabia,
ela tinha que estar na academia...
- ai! – uma mulher gritou,
ao se assustar com a moça que saiu em disparada ao avistar o ônibus à uns vinte
metros... e parece que só faltava uma pessoa pra subir no primeiro degrau...
- Espeeeeraaaa!- ela
ria enquanto muitos se assustavam... afinal, uma pessoa correndo e gritando no
meio da rua só podia dizer uma coisa..
- Ah mas o quê que
issi? É arrastón?
- Não, Gastón, é só eu
chegando atrasada mesmo!- ria a mais recente passageira
- Senhor...- o
cobrador já estava impaciente antes mas agora estava ainda mais
- ah, me desculpe...
- Imigrantes... –
brincou sarcástica, fazendo soar um sotaque italiano, oque fez o moço à frente
a olhar de esguelha, meio sem entender oque essa criatura achava tão engraçado
e tão legal na vida...
Depois de passar a
catraca, Claude encontrou um lugar vago pra poder sentar! Milagre! Ele nunca
conseguia a janela... sempre ia em pé ou sentava do lado de alguém
desagradável... Quando a moça do arrastão sentou do lado dele, ele quase
espraguejou, mas como bom homem educado que era, ficou bem calado.
- Se importa de abrir
o vidro?
- Me desculpe. Mas non
consigo fazer isso non... abrir o vidro... ou eu teria que quebrá-lo com a
marretinha, ou entón precisaria de um maçarico pra furá-lo...
- Nossa como você é
mau humorado
- Non, você non viu a piada
que acabei de fazer?
- Não, porque a piada
não foi escrita, foi falada, então, ouvida, e não vista.
- Muito inteligente,
parabéns.
- Obrigada. Mas ainda
estou com calor, por favor abre a janela? Ou deixa eu abrir?
- À vontade.- ele se
encolheu, e ela se esticou. Pra deparar com um vidro sem janela.
- Droga... por que não
disse logo?
- Você non perguntou.
Só me perguntou se eu podia abrir, e eu respondi. Non.
- aaarg
Ela ficava ainda mais
bonita zangada, ele pensou. A maneira como ela espremia o lábio num biquinho
era gracioso... ele não resistiu a o impulso de curvar os lábios num sorriso
real e verdadeiro.
- Não ri de mim!- ela
ponderou, olhando profundamente nos olhos dele. Ela agora ria também, mas de um
jeito diferente... ela passa a mão no rosto e abaixa um pouco a cabeça...
Ele continua olhando
pra ela, até que ela move a cabeça, decide levantar e abrir a “janela do teto”
do ônibus, como ela dizia... Mas ela não conseguia empurrar... ela era um tanto
baixinha e não tinha a força suficiente. Claude de prontidão se levanta pra
ajudar, mas um “bombadão careca” chega primeiro e abre num só golpe a abertura
de teto do ônibus. Rosa se espanta um pouco mas logo agradece e se senta
completamente sem graça pelo olhar que o rapaz careca lhe lança. Claude sentiu
um incomodo terrível a ponto de querer chamar a atenção do homem para que
parasse de encarar a moça desconhecida. Mas as palavras ficaram em sua garganta,
e ele apenas tossiu. Isso, para a sorte dele, foi o suficiente pra que o rapaz
percebesse sua presença ao lado de Rosa, e então fosse para o fundo do ônibus.
- Precisa comer mais
arroz e feijón ein?- ele sorri
- Não... preciso comer
fermento pra ver se eu cresço mais um pouquinho... Droga... meu celular acabou
a bateria...
- Quer usar o meu?
- Obrigada... Eu
aceito por que realmente é importante...
Ela disca os números
rapidamente, Claude percebeu, então, é um número pro qual ela liga
freqüentemente...
- Alô? Oi... mãe... é
que... meu celular acabou a bateria... eu... sai atrasada e nem tive tempo de
ligar... tá... tá, beijos.
- Tudo certo?
- Ah, sim, obrigada...
é que... eu moro com uma amiga e... minha família fica preocupada... ligo todos
os dias pontualmente as seis da tarde pra eles... mas hoje...
- Você se enrolou toda
non?
- É... – ela sorriu em
retribuição a ele.
- Eu... posso tirar
uma foto sua?- ele tira uma enorme câmera preta da mochila
-Oque?
- É que... eu sou
fotógrafo nos finais de semana e...
- Hoje é sábado...-
ela brinca
- É sim.. e...eu adoro
tirar fotos... dos outros...- ele ri
- Eu também... dos
outros... Mas pra quê você quer uma foto minha?
- É que... eu gosto de
tirar foto das pessoas quando elas deixam de ser estranhas pra mim...
- E eu não sou
estranha?- faz careta
- Bem... é...- eles
riem- mas... não é mais pra mim.
- Tudo bem, você me
deixou confusa... Mas.. eu deixo... – ela ajeita a faixa do cabelo e põe as
tiras do laço pra frente,junto com o cabelo- Estou bem?
- Sempre...- ele sorri
e levanta a câmera, que não faz nenhum barulho ou flash
- Já?
- Oui... quer ver? –
ele mostra a foto no visor... ela está com um sorriso largo, um olhar
brilhante...- Ficou linda...
Eles descem na mesma
parada, mas, seguem caminhos opostos. Ele não vai para casa, como havia dito
pra Frasão, porque apareceu uma festa de debutante pra ele “cobrir”. O amigo
dele, Colibri, seria o fotógrafo, mas acabou tendo que ficar com a avó doente e
não pôde ir. Então... mais uma graninha extra para Claude guardar na
poupança...
- Tudo bem... agora, só
a aniversariante.
- Ah mas como assim? E
a mãe não aparece nessa foto também?- a mulher franze a testa, e Claude abre
mais um sorriso amarelo..tanta canseira acumulada da semana, e mais uma mãe de
debutante tentando chamar a atenção
- Non... essa é só
dela, hã?
Rosa chega afobada...
Todo mundo já estava se aquecendo...e ela ainda tinha que se trocar! Vem um
menino e passa cola no mural todo cheio de restos de anúncios rasgados e
velhos... e gruda no cavalete uma folha amarela... como a cara da Rosa ao ler:
Seleção para a
companhia de dança da fundação Fagulha ... Inscreva-se!
Os olhos dela então
foram parar no Coliseu em
Roma... No teatro de Paris... Londres... mas uma voz a chamou
de volta à São Paulo:
- Oi coelho branco!
Perdeu o relógio hoje foi?
- Como na semana
passada! Desculpa professor! – ela corre pro vestiário sem olhar pra trás e
perceber os olhos brilhando do professor ao vê-la...
continue...
continue...