Crônicas de U.R.C.A
Ele passava na rua... ela olhava as manchetes na banca. Ele se cansou dos cigarros, e jogou o maço inteiro no latão de lixo. Eles nunca ajudaram nem fizeram diferença. Já que ele mesmo nunca os experimentou por mais de cinco segundos.
Estava ventando, mas não estava mais frio externamente do que internamente, para eles. Se o corpo é a casa da alma, que casa mais gelada eles foram arranjar!
Estava ventando, mas não estava mais frio externamente do que internamente, para eles. Se o corpo é a casa da alma, que casa mais gelada eles foram arranjar!
Ela sorriu para a senhora que disse um “Deus abençoe” pelo jornal que ela comprou. Ele espraguejou pela poça de lama que pisou.
Mas em tantas diferenças eles eram tão iguais! Podia parecer que não tinham nada em comum e que jamais se conheceriam. Não havia porquê se conhecerem. Mas talvez o tédio, ou a demora do ônibus... Algo talvez aconteceu. E talvez eles encontraram os olhares. E talvez eles começaram um jogo silencioso. E talvez eles sorriram de um menino e seu cachorro espertinho, que aproveitou a distração que o dono oferecia ao moço da barraca de cachorro-quente para derrubar, num golpe de focinho, uma lata cheia de salsichas.
Talvez eles se sentiram iguais naquele instante. Por se divertirem duma mesma cena. Por acompanharem a corrida do cachorro fugindo com os olhos. Mas como, como que o cão viu apenas aquela direção, como ele atravessou a rua e insanamente tentou passar pelo meio dos dois sem quase derrubar ambos?
Ela se desequilibrou, porque a fita do cão se enrolou em suas pernas, como num laço de caçada. Ela se inclinou para a frente e quase caiu sobre ele.
Ele a segurou pelos braços, e depois que ela se estabilizou sobre os pés novamente, ele soltou o cãozinho que ensaiava um pedido por piedade com seu choro. Eles riam alto, e depois que o menino virou a esquina, eles se deram conta de que não iria ser sempre assim. Que eles não olhariam sempre para a mesma direção. Ou não?
Nesse momento, espremeram os olhos, e se encararam com a mesma expressão de dúvida e como se seus lábios imóveis pudessem fazer questionamento. Mas não. Se olharam e de novo constataram que pela razão não haveria o porque de eles olharem para a mesma direção de novo.
..
Ela saltou do ônibus, ele ficou lá no último banco se perguntando “porquê ela sentou no primeiro?” A distância da ignorância os separava. Mas agora não mais tão distante eram, porque já não ignoravam a existência um do outro.
Ela agora sabia que aquele moço saltaria em algum ponto mais à diante. Talvez mais, talvez menos distante que o ponto final da cidade. Onde ele iria? Porque ela não poderia ir junto onde quer que fosse? Isso era tão irreal quanto o que a fazia pensar que jamais o veria novamente.
A sutil esperança. Aquela que ninguém pede para ter. ela vem como a fé. Você acredita, ou não. Não tem explicação, e é inquestionável. Ele sentia essa esperança. A de que encontraria a moça de novo. Ele sabia que a encontraria!
Como? Ah, a esperança maluca é que sabe.
Num dia não mais quente e nem muito diferente do cinza daquele outro eles se viram de longe. Se reconheceram!
Desespero sem causa aparente, como se uma porta fosse fechar e veja... ela se fechou. Ele não conseguiu entrar no ônibus. Ela apenas ouviu o murro que ele deu na lataria pouco antes do ônibus o deixar para trás. Ah não. Ela fechou os olhos e suspirou. Ele bufou pelo infortúnio. Mas uma vez, algo estava acontecendo silenciosamente.
Aquele desencontro só instigou ainda mais a imaginação dela.
Ele sentia que sua vida poderia mudar a qualquer momento.
Ela sabia que era louca por acreditar em contos de fadas.
Ele batia nas teclas com precisão e pouco mais de força que o necessário.
Onde estaria um em relação ao outro? Para resolver este caso, os cálculos dele não eram o suficiente. Para ela, desenhar algo que esboçasse seus pensamentos era um absurdo!
Ele e seus cálculos sentado junto à janela. O ônibus lotando aos poucos. Ela sobe a bordo com os olhos vidrados em psicologias que seu livro lhe ensinava.
Distração que veio mostrar, que certas coisas simplesmente acontecem. Sem mais.
Ela sentou e ele nem mesmo olhou quem estava a seu lado. Na verdade, ela também não o reconheceu. Ela sequer reparou no moço de cabeça baixa a seu lado.
“-Ei, com licença!” – poderia ser quem?... a voz do óbvio talvez... mas era uma moça estendendo um buquê de rosas vermelhas, cada flor com um laço em seu caule. O cheiro das rosas era notável... e os dois pares de olhos pousaram sobre elas. Ele enfim notou os cabelos dela. As mãos prendendo o livro, o pescoço comprido e delicado. Ele só podia sorrir.
Ela olhava ainda desvairada para a moça das flores, que sorria e pedia a contribuição que lhe cabia. Uma mão irrompeu o campo de visão dela, e a moça das flores recebeu a nota que ela lhe oferecia, e em seguida entregou uma das suas cheirosas rosas para a ‘mão misteriosa’.
Ela não queria, era um tanto constrangedor. Mas o impulso girou sua cabeça na direção do dono da rosa. E ela até se assustou um pouco, quando viu um largo sorriso se formar no rosto dele e olhos brilhantes faiscando um milhão de palavras à ela.
Ela sorriu também, e recebeu a rosa.
Naquele dia ela conheceu o estudante que lidava habilmente com os números e fazia cálculos complexos, mas sempre agia pela emoção. E naquele dia ele se surpreendeu com a quase psicóloga que não conseguia deixar a razão. Ambos descobriram que em tudo eram diferentes, que em nada eram parecidos. E isso era perfeito! Era perfeito porque um poderia ter no outro aquilo que não encontravam em si mesmos. Mais do que se completarem, eles faziam parte um do outro sem saber.
“-Meu nome é Rosa.”
“Je m’appelle Claude”
Eles sorriram. E desta vez, um para o outro.