domingo, 25 de agosto de 2013

Capítulo 48 - Sutilezas





Le Eternel Amour

Tulipe Rouge












Está.... tudo... bem? aqui? .... - Janete vasculha a sala com os olhos

- Bom, acho que está. - Aponto o sofá e nos sentamos.

- Não, não está.

- Não mesmo. Janeteeee... - escondo o rosto em seu ombro, sentindo uma espécie de frenesi de ansiedade

- Se acalme Rosa... Acho desnecessário todo esse alvoroço. Vocês são adultos, livres, desimpedidos, oque esperava? É claro que uma hora ele mostraria interesse... Concretamente.

- É que... faz tanto tempo e eu... Nem sei se posso corresponder sabe...

- Mas porque não? Acaso você está envolvida com o...

- Olha o absurdo Janete. Acha mesmo que eu...

- Na verdade eu acho. É impossível que não sinta nada nunca, Rosa! Onde está aquela garota maluca do Perrault? Onde está todo o rock and roll? Cadê a emoção?

- Jane... - reviro os olhos

- Dá uma chance pro cara, Rosa. Se dê essa chance, poxa! Imagino o quanto seja esquisito, mas ele não é o Tony. Lembra? - Jane procura meus olhos fujões - Ele é o Claude! Nada a ver você ficar tão..

- Não é só medo, eu juro que não é.

- Então, oque é? - ela me inquire, exigindo uma resposta coerente.
 Sim porque a mão na cintura fala por si só

-Acho que é porque ele é quem ele é. O Claude. O... pai do Caleb. Seja como for. É quase como... uma imposição. Não sei.O Claude- o desenho em minha mente-  Ele é agradável, mas....

- Tem um péssimo senso de humor. Cheira mal? Non foi ao show  do U2? - a figura de Claude passa pela porta, e estaciona ao meu lado, quase na mesma altura que eu, em sua cadeira


Claude






-Oque há de errado comigo Rosa?- seguro suas mãos, enquanto o rosto está em brasa

- Excuse moi - Janete diz divertidamente, enquanto sai da sala sorrindo. Permanecemos nos olhando e nem uma palavra é pronunciada.

- Nada. Não é você, ...

-Sou eu - dizemos juntos. Ela revira os olhos sorrindo

- Você sabe dos meus sentimentos por você, certo? Acho que eu não seja lá muito transparente mas... Sempre te considerei uma mulher... admirável. 

-Admirável? - ela me olha sorrindo, incrédula - Foi nisso mesmo que estava pensando...

- Tudo bem, non sei fazer issi non. - abaixo os olhos - Estou muito envergonhado, le jure.

- Não mais do que eu. Pode parecer bastante infantil, mas é como me sinto.

- Você acha que estõn nos pressionando a isso non é?

- Talvez. Mas só um pouco.

- É oque esperam de nós. Que... demos certo. Que nos entendamos.

- Exatamente isso.

- Eu non me oponho. - digo marotamente enquanto a olho sorrindo




Rosa 




-Nem eu. -me ouço dizer. A minha voz permanece no ar alguns segundos até que ele me olhe profundamente de novo. Os olhos dele também eram capazes de sorrir! Fico presa no "sorriso do olhar" dele até ouvir a porta se abrindo.
 Tento soltar as mãos das dele mas ele não me permite

- Chegamos! - Janete entra sorrindo - E trouxemos sorvete pra vocês também!

- De morango com flocos de chocolate - Caleb sorri

- E de chocolate com menta! - Rachel completa. Vê-los juntos e sorridentes era ainda mais compensador. 

-Ótimo. Quero todos. - Claude me olha de esguelha. Me levanto

- Vamos à cozinha então. Nada de sorvete pela tapeçaria. Que aliás, nem terminei de pagar! - sorrio  na tentativa de aliviar meu próprio nervosismo.

Caleb ainda estava calado demais, mas melhorou depois que o Claude conversou com ele ontem de tarde. Não sei sobre oque falaram mas acho que o acalmou. Coloco-o na cama, os cabelos  meio úmidos do banho recém tomado. Sorrio

-Boa noite, petit

-Boa noite mamãe. Je t'aime. - os olhos grandes de Caleb me fitam, os de Claude parecia estar neles.

-Je t'aime aussi petit. - afago seus cabelos e apago o abajur.



Não sei oque me dá. É só que... É absurdo eu sei.
 Mas é como trair a mim mesma. Eu disse que nunca mais nem mesmo pensaria sobre ele.
Por que cogitar isso outra vez? Eu não contava com isso de verdade.
É claro que eu ouvi sobre essa possibilidade todos esses anos mas não havia nenhuma solidez nela.
Afinal, mal nos conhecemos.
 Mas ele... Ele parece tão sincero...

Por que o rejeitaria? E o Caleb... ficaria bem contente, eu acho... 
O que na verdade eu me pergunto é... o que isso significaria... na minha vida?
Não apenas em questões práticas mas... Por dentro... Isso seria...Como...
 Como cicatrizar as feridas? Superar uma insuperável perda? 
Isso me assusta. Parte de mim quer muito mas outra parte se nega a aceitar. E no caso, não pode haver dúvidas.
 Devo decidir. 
Não que eu queira ficar eternamente sem companhia. Mas esse é um caso em particular, foge ás estruturas convencionais.
 Ele é irmão da minha alma gêmea. E, a pior coisa sobre almas gêmeas é que dificilmente elas ficam juntas. Gêmeo.
Gêmeo.
 Por mais que eu tente ignorar isso, gêmeo. É como trai-lo com ele mesmo.
Com OUTRO ele. Não faz sentido.
 Ai minha cabeça!


Insônia não me ajuda, não penso direito, não adianta. Ah os calmantes!



Sérgio



- Mais estranho seria se ele não tentasse não é.

-Eu sei. Mas ele... Ele 

-Está tão confuso quanto ela. Um mês, amor, um mês e ele toma a iniciativa que poderia ter tomado há dez anos. Mas a circunstância parecia ainda pior que a de hoje. Então, ele decide propor algo. Por mais cauteloso que seja, ainda é uma proposta.

-Amor, você acha que ela vai aceitá-lo?

- E você me pergunta isso, Jane? Mulheres são malucas, como saber. - rio e ela me dá um tapa no braço pelo atrevimento- Não tem como prever...

-Sabe qual é o meu palpite? Ela vai acabar cedendo. Ele é bem atraente, um bom partido, não é de se jogar fora assim. - ela sorri em provocação.

- Hum... sei! Mas o motivo maior é o Caleb. Ele iria adorar ter o pai perto, fazendo parte de fato da vida dele. da rotina... da vida da mãe, de tudo.

-Mas e a Rachel, Sérgio? Eu acho ela tão quieta...

-É a educação francesa dela, amor. Acho que ela é uma criança adorável, e a Rosa a adora. Tenho certeza de que Rosa vai fazer um grande bem a ela, seria como uma mãe, coisa que ela nunca teve de verdade né.

-É mesmo. Me pergunto se não é por isso o ar triste que ela têm.







Rosa




Havia flores na sacada, e o sol entrava pela janela iluminando tudo. Bela manhã de primavera!

- Espero que goste dessas, non sei escolher... - Só então percebo Claude, parado perto da porta, como se me esperasse

-Ah, foi você... São lindas, obrigada. -sorrio. Ele me olha intensamente. Pisco sem entender e ele estende a mão. Caminho até ele e a seguro. Ele me puxa até que eu entenda oque ele queria. Me beija a face e sussurra
-Bon jour.

-Bon jour. - respondo olhando em seus olhos. Tentando imaginar oque ele estaria pensando naquele momento - Você é mais matinal do que eu...

-Nem pensar. Apenas me acostumei a acordar cedo, hã.

- Já tomou café?

-Estava a sua espera...- ele sorri

- Onde estão..

-Nossos pequenos foram à escola hoje, lembra? 

- Ah.... - suspiro. Ele disse NOSSOS pequenos?
- Então... vamos tomar café onde? - sacudo a cabeça como que pra dissipar a confusão mental

- Na Coop cofee, bem na esquina. É agradável, e non está longe, hã?- ele pisca um olho

-Oh! é claro... -sorrio ainda me sentindo abobalhada


Café com açucar e uns brownies pra adoçar tudo, até o sangue dar formiga. 

- Ha ha ha Non é issi non é que... Ela sempre esteve lá, comigo sabe. Nunca nem pensei em demiti-la. Nem que eu a contratei. Sempre foi tudo ton... familiar sabe.

- O seu pai não gosta tanto dela não é mesmo?

-Como você sabe?

-Ah - disfarço- Ela me disse eu acho. Ou foi o Tony.

-Tony. Agente sempre volta a ele. É impossível não falar dele.

-Dizem que pessoas extraordinárias geralmente não vivem muito, mas jamais são desapercebidas.

-Você ainda continua com o mesmo amor por ele non?

- Nunca poderei esquecê-lo... - digo triste, ainda sem olhar nos olhos de Claude, que com certeza, me encarava 

- Acho que ele queria que ficássemos juntos... - ele diz me olhando por baixo, divertido

- É um bom flerte. - sorrio, limpando a espuma do capuccino do canto da boca dele

- Quem vê pensa. - ele pisca sorrindo

- Pensa oque? - continuo o olhando

-Que eu uso fralda geriátrica. - ele gargalha

-AH! hahahaha não acredito que disse isso! 

- Non adianta negar, eu sei que pensam issi. -ele continua rindo

- Tudo bem, chega disso vai.

- Ah é divertido. Pelo menos porque eu sei que non é pra sempre né.

-Você teve sorte. 

- Até que tive. Você quis cuidar de mim, oque mais eu poderia querer? 

-Claude!

Breve silêncio constrangedor...

- Acho até que vou pedir que Dádi volte a Paris, mas para visitar os amigos, hã?  Talvez eu fique por aqui...

- Mesmo que o Carlo... Você vai mesmo à audiência? 

- Com certeza.

-E... você já sabe o porque dele... ter...

-A vingança nunca é plena mata a alma e a envenena - ele sorri - Non se preocupe com issi hã? O pior já passou. Estou completamente em paz e tranquilo. Estou vivo, é o que importa. Carlo vai pagar, e estarei lá pra ouvir a sentença.

-Ele esteve mesmo perdido... Acha que ele vai ser internado num hospital psiquiátrico?

- Provavelmente.. Mas com tratamento vip... Com direito à solitária pro resto da vida. E non digo isso por mim só, mas pelos crimes contra a corporaçón... e contra os direitos humanos, hã?

-Mas ainda não entendi oque ele estava fazendo! O que leva a pessoa à tanta...

-Insanidade? Ele deixou o rancor o dominar... O ódio a família Geraldy foi muito além de mim e Tony, e além de nosso pai. Carlo tinha sede por vingança, sim. Mas o sentimento de autodestruição dele era bem maior. Ainda posso ouvir a risada dele... Ton louca  e as palavras ton desconexas... Nunca vou esquecer oque ele disse sobre... A nossa pequena diferença de posiçón na família... sobre... Eu ser um bastardo reconhecidamente... - Claude manteve a cabeça baixa, tanto quanto sua voz soava

- Acho melhor irmos pra casa... Talvez chova hoje também... - murmurei olhando um casal de velhinhos se levantar, sair e depois passar pela vidraça do lado de fora... lentamente e de mãos dadas

- Você estragou tudo Rosa. Mas ainda sim, Caleb está seguro. E graças a Deus, Carlo nem suspeitava que ele é meu filho. - ele me olha ainda ignorando oque acabei de dizer, estático, as mãos sobre a mesa

- Eu não suportaria.

- Eu também non. No entanto tive de suportar non foi?

- Você foi muito forte. - dou um meio sorriso- Um verdadeiro super herói

-Hm..- ele balança a cabeça numa careta- Super heróis non ficam presos em cadeira de rodas hã... Nem mesmo por um curto período.

- Não estrague tudo! - sorrio me levantando.


Em vez de voltar pra casa, Claude me convenceu a ir até um parque... o Sol animou muitas pessoas a estar ao ar livre.. Em sua maioria jovens escolares e idosos

- O dia está lindo, hã.

-Mas ainda pode virar... Que nem ontem...- digo olhando o céu. O vento balançando os galhos da árvore acima de nós

-É uma pena Rachel non estar aqui. Ela adora esse parque...

- O Caleb também... - digo naturalmente. Como numa conversa de comadres. E me lembro que ele deveria saber coisas desse tipo sobre o filho dele. O que me faz engolir em seco. Será que ele me perdoaria algum dia?

- Veja, aquele casal ali... - ele sorri - Eu os conheço desde que tinha sete anos de idade.

- Sério?

- Meus pais ainda vinham no parque naquela época. E eu e Jean brincávamos muito aqui. Era um paraíso só... os piqueniques.... - ele continuava olhando os velhinhos e sorrindo

-Não quer ir lá falar com eles?

- Non... - ele suspira- eles eston ton velhinhos non se lembram mais de mim non...

-Como você sabe?

- Eu sei. - sorri- Ano passado quando estive aqui em Paris  fui visitá-los. Eles me trataram como Jean Geraldy. Como Jean sempre foi mais próximo deles eles só se lembram dele  . Apenas de Jean. Por alguma razon.

- Espera... Mas se eles não o vê-em a dez anos... como podem se lembrar mais dele do que de você? Ou não veio visitá-los durante esse tempo?

- Eu vim sim. Quase todos os anos eu vinha a Paris e sempre os encontrava ou os visitava. Mas eles continuavam a questionar quem era Claude. Entón parei de insistir.

-Sallut, monsieur Geraldy! - a voz da senhora irrompe os poucos metros que nos separa

-Jean! -O velhinho bate continência, alegremente. E Claude a  devolve, sorrindo.

- E... não se importa? - pergunto a ele, que ainda sorri para o casal ao longe.

- Porque me importaria? Eu e Tony somos gêmeos. Non é novidade esse tipo de situaçón...

- Oh, me desculpe.

-Que issi... É como se eu fosse mesmo ele, non? Sou o que restou dele. - ele abre os braços, e não deixo de notar a tristeza em sua voz.

- Ele está em você. - digo, olhando para Claude tendo a certeza de que estava olhando para Claude. Para ele.

- Non se pode julgar um perfume pelo frasco non é oque dizem? Nem julgar o livro pela capa... Claro que sabemos que as vezes a aparência exterior nos dá pistas sobre o conteúdo. Mas non funciona muito bem com pessoas, né?

-Não... Não funciona.


















-









sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Capítulo 47- Pequenas Vitórias


Le Eternel Amour

Tulipe Rouge



Hoje o dia cheira a chuva, e os meus olhos estão bastante irritados com esse vento insistente. Não havia mini baguetes na padaria então trouxe as normais. Caleb passou horas ontem escrevendo na agenda nova que lhe dei... Mas não expressou felicidade alguma quando me agradeceu por ela. Rosa continua olhando pela janela, exatamente onde a deixei quando sai. 

- Foi rápida.

- Sempre sou não é. - respondo com um meio sorriso. Deposito as compras na bancada e tiro as luvas

- Hoje o dia está estranhamente calmo... - ela suspira, ainda perdida em algum lugar distante

- Acho que  vai chover.


Meia hora depois, Sérgio aparece à porta -encharcado.

- Desculpe a demora, amor, não estava contando com esse toró. - ele sorri tirando a jaqueta

- Moooom - Alice entra, deixando a capa de chuva cair

- Oi querida, está com fome?

-Huhum- sorri. A mando tomar banho, e depois sirvo o lanche a todos.

A tarde segue comumente, a não ser o fato do silêncio imperar em alguns momentos.. Como se as nossas palavras necessitassem de um descanso ou algo assim. Rosa voltou a trabalhar em seu computador e por horas não esboçou nenhuma expressão. Mas ainda parecia exausta...

- E Rachel? - Finalmente arrisco a pergunta, que ainda flutuou no silêncio até ela me olhar ainda inexpressiva

- Com Joana. Não quis vir...

- Obrigada por estar aqui - pego em sua mão- Eu sei o quanto tem sido difícil...

- Eu é que agradeço... Não deveria nem dizer isso mas... eu sinto muito, de verdade.

- Está tudo bem. Ninguém teve culpa. Nenhum de nós... - pausa. E Alice vem e senta em meu colo. A abraço ainda olhando Rosa morder o lábio

- Acho que vou ligar outra vez. - Ela diz olhando a tela do computador. Suspiro quando leio a manchete da internet

"E o paradeiro do capitão Claude Geraldi ainda é um mistério..."

- Não por muito tempo. Tenho certeza de que o encontraram.- Rosa responde a maior de todas as dúvidas que pairam sobre nós. O Claude voltar seria como... ter nossas vidas de volta. Ou não.

Rosa




Decidi passar na banca e comprar todos os exemplares que tinham da Le Cordier. Depois depositei um em cada caixa de correiro do prédio. Não que ainda possua a velha insegurança de antes mas precisava ter certeza de que ma voisines ainda sabiam quem eu era. Que eu era alguém. Eu precisava ter certeza que era alguém. Que sou, hoje.
Rachel só cantarolava baixinho enquanto alisava o coelho branco que ganhara de dom Giovani. Chega a parecer que ela é quem toma os calmantes, não eu.
Caleb a segura pela mão, o que me faz sorrir discretamente. Pois, se ele perceber, nunca mais terei a sorte de ver cena tão singela.

- O que vão querer pro jantar? - pergunto assim que tranco a porta. Tento sorrir cordialmente mas sinceramente,  me sinto tão exausta....

- Podia ser aquela comida lá... de sexta. - Rachel diz, e fazia tanto tempo que cheguei a estranhar sua voz tão... seca.

- Não, não. Pizza. Pizza. - Caleb franze o cenho e senta no sofá, irreverente. 

- Acho melhor não, Caleb. Ontem já jantamos pizza. - respondo calmamente. - Comida chinesa parece muito bom mesmo, Rach. 
Caleb quase disparou algo em minha direção mas conteve sua explosão de fúria. Ele era mesmo uma montanha russa em seus humores... E Rachel sorriu ante a pequena vitória. Sempre disputavam as pequenas e as grandes coisas.

Volto ao trabalho e estico até as 3 da manhã. Fora o tempo que fiquei ao telefone hora com o detetive Flanders hora com Silvia, permaneci em silêncio. Caleb estava no piano e Rach com o caderno de desenho que Claude deixou comigo... a Tv... estava sozinha.

...


Foram duas semanas. E então, lá estava ele. Preso como um bandido, numa antiga funilaria soviética  abandonada. Pena que antes que o encontrassem, Carlo havia lhe quebrado duas costelas e deixado muitas lesões por todo o seu corpo, de modo que o encontraram desacordado, e desde quando nem se sabe.


Claude



Abro os olhos ainda pesados, as pálpebras me ardem. E tudo o que vejo é.. branco. 
Como a neve daquela tarde em Montreal, rumo à casa de Rosa. A mulher que não se permitiu muito, ou nada, em nome do amor por Jean. E eu, da mesma maneira, não me permiti dizer oque eu queria dizer naquela noite em Verriéves, no baile. Tudo porque eu... amava Jean. E de todo coração esperava vê-lo feliz com ela. Eles se amavam de uma forma bastante peculiar. E nunca vi ou verei nada parecido. 

- ouvrez vos yeux .... Donc, essayez de ne pas bouger beaucoup. - (abra os olhos... isso, tente não se mexer muito ) uma voz feminina e bastante calma. A mesma se apresentou como Gina Delatresse, médica intensivista, disse que eu estava num hospital em Paris, que fiquei em coma induzido por três dias. Suspiro. 

-Serafina Rosa Petroni...envie de le voir? - (Serafina Rosa Petroni... deseja vê-la?) outra voz feminina irrompe a sala, eu pisco...

- oui.. oui...

....

-olha, eu trouxe flores! - Rosa sorri me mostrando um buquê de margaridas numa jarra ao meu lado.

- Você... esteve aqui?

- Desde que te trouxeram pra cá. 

- E... Rachel? minha filha...

- Ela está bem, Claude. está... comigo.- Ela disse depois de breve pausa, e ainda sim, com um suspiro. Parece cansada.

- Oh... Merci, Rosa, Merci... Você....a trouxe? - me sinto desfalecer... os olhos tão pesados e uma pressão no pescoço

- Você terá alta daqui a dois dias. Poderá vê-la com mais calma. Não acho que vê-lo aqui a deixará menos... assustada. - Os olhos de Rosa se dilataram enquanto ela disse isso, e acho que ela é quem está assustada.

- D'acord. - tento me ajeitar mas minhas costelas parecem estar em pedaços- ahh- grunho

-Melhor não se mexer. E... além do mais... Você vai precisar de muito repouso até se recuperar totalmente.

- Não estou inválido, estou? - Pergunto temendo a pior explicação por me sentir tão dormente

- Você fraturou muitos ossos Claude. acho que a sua tentativa de fuga deixou o diabo furioso.

- Eu precisava tentar. Mas ele machucou minhas mãos por um motivo, que tentei ignorar. Mas não pude.. acabei caindo de uma altura de dois metros e meio...

- Você vai ficar bem, Claude. Vai ficar.- Rosa toca meu braço... mas não olha em meus olhos. 

-Eu estou bem. Ainda mais agora que sei que você também está. Que todos estão.

-Ainda vai precisar de cadeira de rodas por umas semanas e depois, moletas. 

Faço uma careta. Isso estragou tudo!



Rosa




Claude insiste em voltar pra Marselle, mas não posso permitir. Não enquanto ainda precisa da cadeira. 

- É melhor do que ficar na cama o dia inteiro - ele da um meio sorriso

- É sim. - sorrio de volta. Rach em seu colo, o coelho sempre com ela.

- Não pode andar papai?

- Posso sim amor. Mas é que preciso poupar força por enquanto que me recupero. Mas já já papai estará novo em folha!

- Eu vou buscar o Caleb- toco o braço de Claude que com a outra mão me segura

- Não se preocupe Rosa, tenho certeza de que ele irá entender.


Caleb veio em seu voto de silêncio, olhos baixos e respiração entrecortada. 

-Está tudo bem, filho?

-oui mama. - ele responde de prontidão. ainda sem me olhar. 

- Você está confortável em ter o Claude conosco por uns dias?

- Acho que tudo bem, mom. Mas... ainda não entendi... Vocês são como um... um casal, agora?

- Não filho, não somos.

- Mas ele é meu pai não é?

- biologicamente sim.

- Então, porque ele não pode ser meu pai como ele é da Rach.... além de biologicamente, eu quero dizer.

- Amor... - afago seus cabelos- Acho que isso depende de vocês dois, de escolherem ser pai e filho. - sorrio. - Mas filho, porque você perguntou sobre mim e o Claude... sobre sermos...

- Eu queria que agente fosse uma família inteira mom. - ele rompe- a senhora sabe. Com todo mundo envolvido. Sem essa coisa de este é filho deste mas não deste e blábláblá.

- Sabe que isso nem seria possível nem que agente se casasse... que a Rachel...

- Tudo bem mãe. Eu sei da Rachel também. - ele se levantou e entrou antes de mim, que ainda fiquei dentro do carro por um momento... Tentando absorver oque ele realmente quis dizer. Se ele é que quis dizer alguma coisa.












sábado, 1 de outubro de 2011

Mais uma de amor





            "Existe uma coisa sobre a música e sobre o amor, que nunca foi explicado. Na verdade, o amor e a música são coisas tão parecidas... Ambos envolvem paixão, loucura e êxtase... Em medidas e quantidades parecidas. O que, aliás, apenas reforça a teoria de que a música surgiu na tentativa de um apaixonado de expressar oque ele estava sentindo... Não saiu palavras, mas melodia...

Na alegria, depois do riso, muitos costumam cantar... Ou na profunda tristeza, a música está lá, presente, viva."


- É por hoje chega... Amanhã eu termino essa página...

- Ô Rosa, você ainda está ai? Nossa seu horário já deu faz tempo menina!

- É eu sei... mas é que eu acabei me entretendo com meu livro....

- Que livro?

- O meu, horas!

- Ah tá... de novo com essa estória de escrever livro?

- Assim que lançar, te dou um autografado tá?

- Tchau Rosita... Juízo ein!

- Eta mais olha que eu sou uma menina de respeito ein! de família! hahah Tchau!

Quem vê aquela menina passando apressada por estar atrasada pra pegar o ônibus... Nada sabe sobre quem realmente ela é... Sonhadora, responsável e maluquinha... Tudo numa só criatura inquieta... ou seria quieta? Quando às vezes ela some e de repente é descoberta num cantinho, lendo um livro, ouvindo uma música no fone de ouvido... rindo e/ou chorando sozinha?

- Não sabe... Mas como não sabe se eu te confiei o meu dinheiro e faz mais de dois meses que não vejo falar dele? Eu preciso saber oque está acontecendo!

- Olha senhor... as ações que o senhor tinha....

- Tinha? Mas como tinha? O senhor que não venha me dizer que...

- Sinto muito... as empresas faliram e as ações... nada mais valem...

Mais um. Claude ajeita os óculos, estes que só usa para a leitura. Estes que esconde de todos. Mais um cliente que sai furioso. Mas oque ele pode fazer? Esse é o trabalho dele na verdade. Ele simplesmente vem e diz: Sinto muito, seu dinheiro foi torrado por mais um empresário salafrário, que só vendeu ações pra cobrir dívidas. Dívidas externas, estrangeiras. Como ele poderia adivinhar que esse cidadão tinha conta no exterior? Como saberia que ele teria um empréstimo não pago? Milionário, como?

Droga. Se ele for demitido, como vai poder realizar o sonho de fundar o próprio negócio? Como poderá ter dinheiro pra permanecer no Brasil sem ter que trabalhar pra outrem?

Se esse visto vencer de novo... Ah quantas vezes ele pensou em desistir! Quando estava lá, na cidade natal dele, vivendo na periferia graças a um energúmeno que roubou toda a fortuna de sua família... aquele cretino que roubou tudo do inventário... tudo do testamento do pai de Claude... e agora, agora que ele ficou pobre... nem seus parentes mais próximos abriam os magníficos portões de suas gigantescas mansões pra ele. Nem um emprego eles lhe deram. Nada.

Ele foi arranjar ajuda logo com quem? com Frasão, o filho engraçado do também otimista motorista da família. Depois que tudo aconteceu, o coitado do pai do agora melhor amigo de Claude teve um enfarto...  e os dois viram pra cá. Para a terra que  bem acolhe a todos. Ou não.

- Claude... Claude você precisa ter paciência,meu amigo!

- Oque? Eu ter paciência? Você já reparou em como tudo dá errado pra mim?

- Oque eu reparei foi em como você reclama de tudo sempre e o tempo todo. Tem que... relaxar um pouco né?

- Relaxar... estou com medo Frazón... medo por que vai chegar uma hora em que todos vão se virar pra mim e me engolir! É! Me engolir!

- De novo aquele pesadelo lá é? Aquele pesadelo do Tiago te demitindo, da embaixada te caçando e...

- Das portas da França se fechando na minha cara...

- Ai nossa você tá é pirando... Para de ficar se auto-pressionando! É muita coisa pra uma só cabeça!

- Frazón... eu vou pra casa...

- Tudo bem.. Eu não vou agora, sabe que eu tenho que estar no fórum do outro lado da cidade hoje a noite... tribunal importante pra eu assistir...

- Tá... vai com o carro entón... eu pego um ônibus...

O ônibus que a nossa Rosa lutava pra alcançar... o ônibus pára no ponto, que fica entre duas esquinas. Claude vem da rua da direita, Rosa da rua da esquerda... mas bem mais atrasada...

-Droga... onde está minha carteira?...

 Claude começa a se apalpar, conferindo os bolsos, ele é o último da fila...

- Se eu perder este... só pego o das oito!

E as oito, Rosa sabia, ela tinha que estar na academia...

- ai! – uma mulher gritou, ao se assustar com a moça que saiu em disparada ao avistar o ônibus à uns vinte metros... e parece que só faltava uma pessoa pra subir no primeiro degrau...


- Espeeeeraaaa!- ela ria enquanto muitos se assustavam... afinal, uma pessoa correndo e gritando no meio da rua só podia dizer uma coisa..

- Ah mas o quê que issi? É arrastón?

- Não, Gastón, é só eu chegando atrasada mesmo!- ria a mais recente passageira

- Senhor...- o cobrador já estava impaciente antes mas agora estava ainda mais

- ah, me desculpe...

- Imigrantes... – brincou sarcástica, fazendo soar um sotaque italiano, oque fez o moço à frente a olhar de esguelha, meio sem entender oque essa criatura achava tão engraçado e tão legal na vida...

Depois de passar a catraca, Claude encontrou um lugar vago pra poder sentar! Milagre! Ele nunca conseguia a janela... sempre ia em pé ou sentava do lado de alguém desagradável... Quando a moça do arrastão sentou do lado dele, ele quase espraguejou, mas como bom homem educado que era, ficou bem calado.

- Se importa de abrir o vidro?

- Me desculpe. Mas non consigo fazer isso non... abrir o vidro... ou eu teria que quebrá-lo com a marretinha, ou entón precisaria de um maçarico pra furá-lo...

- Nossa como você é mau humorado

- Non, você non viu a piada que acabei de fazer?

- Não, porque a piada não foi escrita, foi falada, então, ouvida, e não vista.

- Muito inteligente, parabéns.

- Obrigada. Mas ainda estou com calor, por favor abre a janela? Ou deixa eu abrir?

- À vontade.- ele se encolheu, e ela se esticou. Pra deparar com um vidro sem janela.

- Droga... por que não disse logo?

- Você non perguntou. Só me perguntou se eu podia abrir, e eu respondi. Non.

- aaarg

Ela ficava ainda mais bonita zangada, ele pensou. A maneira como ela espremia o lábio num biquinho era gracioso... ele não resistiu a o impulso de curvar os lábios num sorriso real e verdadeiro.

- Não ri de mim!- ela ponderou, olhando profundamente nos olhos dele. Ela agora ria também, mas de um jeito diferente... ela passa a mão no rosto e abaixa um pouco a cabeça...

Ele continua olhando pra ela, até que ela move a cabeça, decide levantar e abrir a “janela do teto” do ônibus, como ela dizia... Mas ela não conseguia empurrar... ela era um tanto baixinha e não tinha a força suficiente. Claude de prontidão se levanta pra ajudar, mas um “bombadão careca” chega primeiro e abre num só golpe a abertura de teto do ônibus. Rosa se espanta um pouco mas logo agradece e se senta completamente sem graça pelo olhar que o rapaz careca lhe lança. Claude sentiu um incomodo terrível a ponto de querer chamar a atenção do homem para que parasse de encarar a moça desconhecida. Mas as palavras ficaram em sua garganta, e ele apenas tossiu. Isso, para a sorte dele, foi o suficiente pra que o rapaz percebesse sua presença ao lado de Rosa, e então fosse para o fundo do ônibus.

- Precisa comer mais arroz e feijón ein?- ele sorri

- Não... preciso comer fermento pra ver se eu cresço mais um pouquinho... Droga... meu celular acabou a bateria...

- Quer usar o meu?

- Obrigada... Eu aceito por que realmente é importante...

Ela disca os números rapidamente, Claude percebeu, então, é um número pro qual ela liga freqüentemente...

- Alô? Oi... mãe... é que... meu celular acabou a bateria... eu... sai atrasada e nem tive tempo de ligar... tá... tá, beijos.

- Tudo certo?

- Ah, sim, obrigada... é que... eu moro com uma amiga e... minha família fica preocupada... ligo todos os dias pontualmente as seis da tarde pra eles... mas hoje...

- Você se enrolou toda non?

- É... – ela sorriu em retribuição a ele.

- Eu... posso tirar uma foto sua?- ele tira uma enorme câmera preta da mochila

-Oque?

- É que... eu sou fotógrafo nos finais de semana e...

- Hoje é sábado...- ela brinca

- É sim.. e...eu adoro tirar fotos... dos outros...- ele ri

- Eu também... dos outros... Mas pra quê você quer uma foto minha?

- É que... eu gosto de tirar foto das pessoas quando elas deixam de ser estranhas pra mim...

- E eu não sou estranha?- faz careta

- Bem... é...- eles riem- mas... não é mais pra mim.

- Tudo bem, você me deixou confusa... Mas.. eu deixo... – ela ajeita a faixa do cabelo e põe as tiras do laço pra frente,junto com o cabelo- Estou bem?

- Sempre...- ele sorri e levanta a câmera, que não faz nenhum barulho ou flash

- Já?

- Oui... quer ver? – ele mostra a foto no visor... ela está com um sorriso largo, um olhar brilhante...- Ficou linda...


Eles descem na mesma parada, mas, seguem caminhos opostos. Ele não vai para casa, como havia dito pra Frasão, porque apareceu uma festa de debutante pra ele “cobrir”. O amigo dele, Colibri, seria o fotógrafo, mas acabou tendo que ficar com a avó doente e não pôde ir. Então... mais uma graninha extra para Claude guardar na poupança...


- Tudo bem... agora, só a aniversariante.

- Ah mas como assim? E a mãe não aparece nessa foto também?- a mulher franze a testa, e Claude abre mais um sorriso amarelo..tanta canseira acumulada da semana, e mais uma mãe de debutante tentando chamar a atenção

- Non... essa é só dela, hã?

Rosa chega afobada... Todo mundo já estava se aquecendo...e ela ainda tinha que se trocar! Vem um menino e passa cola no mural todo cheio de restos de anúncios rasgados e velhos... e gruda no cavalete uma folha amarela... como a cara da Rosa ao ler:

Seleção para a companhia de dança da fundação Fagulha ... Inscreva-se!


Os olhos dela então foram parar no Coliseu em Roma... No teatro de Paris... Londres... mas uma voz a chamou de volta à São Paulo:

- Oi coelho branco! Perdeu o relógio hoje foi?

- Como na semana passada! Desculpa professor! – ela corre pro vestiário sem olhar pra trás e perceber os olhos brilhando do professor ao vê-la...










continue...

domingo, 25 de setembro de 2011

Capitulo 46- As mariposa na lâmpida



Le Eternel Amour
Tulipe Rouge


Cobri todos os espelhos com lençóis brancos, para que Alice não fique ainda mais triste. Tão calada tão... frágil... espero que fique boa logo... espero ouvir risos e vozes de crianças brincado... Porque tudo oque tenho visto neles é uma estranha maturidade... uma maturidade que veio de sofrer eu sei... Mas não quero isso. Não aceito... pois tudo oque eles têm tido são conversas... Olhos um tanto pensativos, distraídos, até.... Mas firmes... sem choro algum.

- Recebi uma ligação da Rússia...

- Mesmo? e... de quem?

- Dun... aquele meu amigo lembra?

- Ah... o do cabelo enrrolado...

-É... ele me deu uma excelente notícia!

-mesmo?

-hunhum

- e não vai me contar?

- Sei não... acho melhor fazer surpresa!


Rachel


-Dáaadi!


-Olá meu amor... mas que saudade!

- Dádi... Cadê meu pai?

- Não se preocupe... que logo ele aparece!

Esta era uma conversa de quase todos os dias... depois da escola.
Papai não chegava às cinco como eu... mas sim às seis. E essa hora eu aproveitava pra ficar no quarto dele, ouvindo músicas e vendo os álbuns de família que ele escondia de mim.
Meu tio Jean... parece tão gentil...tão convidativo... só de olhar dá vontade de contar um segredo pra ele.  Ele parece ser compreensivo... mas não compreendido...
De qualquer forma... sei que não vou poder confiar nada à ele. Ele não está aqui pra me ouvir. Mas papai agora também não.
Queria ter conhecido o tio Jean... ele se parece muito com meu papai...
Queria que estivesse aqui... Pra poder dizer que eu sinto falta do papai. Que queria que a Rosa fosse minha mãe... Que estou com medo... que sinto um frio na espinha...

Chegou uma moça na casa... a mãe da menina de rosto cortado... Ela parece tão infeliz... mas porque? Se tem o pai e a mãe dela pertinho dela? Todos os dias?
As minhas amigas também eram assim... Difíceis de se satisfazer... Queriam sapatos novos... novos celulares... Festas e presentes caros... As vezes eu ficava triste por não ter tudo como elas... mas agora eu sei...  eu sempre tive TUDO.
 E meu pai certamente é meu bem maior.


Rosa


Papai... eu sempre soube, na verdade. Eu sempre soube, alguma parte de mim tinha toda a certeza. Eu sinto muito papai. Não consigo ficar triste de saber que ele está vivo. Isso é estranho o suficiente pra eu não querer mudar nada. Nem meus conceitos. Papai, eu aprendi, ouvindo as musicas que você ouvia, lendo os livros que você leu...  Acredito que eu sei, tudo oque em tese, você teria me dito. Eu não me importo, se eles acham que sou estranho. Não me importo se dizem que sou um nerd órfão. Não me importo da Rachel existir, não mais. Na verdade, nem sei do que eu estou falando. Mas gostaria de ouvir sua risada, a mamãe diz que era a coisa mais maravilhosa de ouvir. E que quando você ria, todo mundo ria também. Estou aqui, escrevendo no seu caderno, em sua memória e homenagem. Que o Claude esteja bem, papai, cuide dele. Que ele possa ser quem o senhor tanto sonhou que ele fosse. E no momento, o mais importante: que ele seja um super herói. Que ele faça jus ao fardo que lhe foi dado. Aquele homem é meu pai, e espero que ele queira a mim como filho. Sempre vou te amar papai, e vou te enxergar nele, eu prometo. E que ele te enxergue em mim também!

 Não sei se choro, se rio, se me debato. Oque sentir nessa hora? O Caleb saiu correndo e fechou o caderno, mas eu abri na página certa, mas talvez na hora errada. Acredito que não estou preparada para saber o que o meu filho está sentindo agora. Nem mesmo para suportar aquilo que eu sinto. O meu amor, o Jean, se estivesse aqui, me sustentaria. Mas como ele não está, me sustento nele mesmo assim. Em saber que ele me diria que tudo ficará bem, eu fecho os olhos e penso nele, e no suporte que ele sempre foi pra mim.
Nos dias de crise, ele me fazia rir. Sim, e só ele conseguia! Se o Tony estivesse aqui, ele me diria para esquecê-lo. Para esquecê-lo e seguir em frente.
Mas nisso ele está errado. É exatamente pela vida dele, e pelo que oque significou na minha vida, que eu vou conseguir. Vou ser forte, e vou seguir em frente. E tomei uma decisão. Se o Claude realmente quiser, ele será o pai do Caleb.  E seja oque Deus quiser!

Janete

Eu me sinto esquisita, e parece que acabei de acordar na banheira. O vapor no espelho, os frascos na penteadeira. Tudo como sempre, como se fosse mais uma manhã entre todas. Tudo oque consigo pensar, é no meu marido, em minha filha. Nos olhos deles brilhando  e em seus sorrisos abertos me recebendo num abraço. A minha cabeça ainda está confusa, mais oque sei é que tive sorte, não morri, eu prevaleci. Eles cortaram meu cabelo, e depois me jogaram numa rua lamacenta, num país desconhecido. Só Deus sabe como cheguei a Moscou, e encotrei Dun. Ele quase não me reconheceu, eu estava suja, com cobertores nas costas, e falava arfando, por causa duma bruta pneumonia que contrai. O resto, foi hospital, soro e muita dor. A ironia é que o lugar que antes era pra mim entre todos o que me causava mais entusiasmo e energia, desta vez pareceu sugar toda minha fé. Parecia que eu jamais sairia de lá. Como alguns dos meus primeiros pacientes, no começo de tudo. Mas agora, eu era a doente, e meu remédio, era algo que ninguém ali conseguira me dar.

- que alegria! Encontrar vocês pra mim é a coisa mais preciosa neste mundo!

Sérgio nos abraça. Alice chora e ri ao mesmo tempo.


Le Cordier


Hoje queridas leitoras, em minha coluna MULHER, venho agradecer o apoio que todos têm me dado. E não só meus familiares, mas todos os amigos e meus amados leitores, dos quais tenho recebido cartas e e-mails de incentivo. Merci. E venho através desta publicação informar que minha cunhada e minha sobrinha estão de volta, assim como Rachel, a pequenina priminha de Caleb, meu filho. Estamos aguardando apenas o retorno de Claude, pai de Rach e filho do diplomata Henri Geraldy. Peço a ajuda de vocês mais uma vez, e conto com ela pois sei que é certa. Continuo a escrever e a pensar sobre a força que tem o amor e a esperança, além da fé. Sabendo que o amor é a maior e mais forte força que há, nos concentremos nele. Em amar a cada criatura deste mundo como a si próprio. Dando para receber e recebendo para de novo dar. Sem amontoar tesouros que a ferrugem corrói e que a traça consome. Vamos nos doar mais, vamos sorrir mais e chorar mais também! Fica a dica,
bisous a tout, pour tojours,

 Serafina Rosa Petroni,

editora chef da Le Cordier

Com um sorriso no rosto, eu abaixo a revista, e olho para minha família linda. Alice ainda está amuada, observando a aveia escorrer junto com o leite da colher repetidas vezes. Sérgio está estranho também, mas pelo menos come. Muito e muito rápido. Mas sei que é só um rastro deixado pelo impacto. Já passou. Agora torço pela Rosa. Torço pra que ela encontre o Claude. Que eles finalmente se entendam. Sei que é isso que está pra acontecer. Eu sei, eu sinto as coisas.E, assim como eu sabia que jamais daria certo com o Tony, desde o momento em que vi o Claude passando, lá na frente do restaurante do pai da Rosa, eu soube que é assim que terminaria: era perfeito. O Tony certamente não iria se opor, sei que no fundo ele queria isso. A Rosa não pareceu nem reparar na existência do Claude, mas eu vi que ele estava era louco por ela. Mesmo ele tendo aquela noiva -gótica e patricinha ao mesmo tempo- dele. Eu sei que o Caleb é a confirmação de que eu estou certa.



Rosa


-quê?!- engasgo. Janete se mantém firme. Sua aparência está voltando ao normal, aos poucos.

- ah eu estou cansada desse seu espanto ensaiado. Você sabe sim do que eu estou falando Rosa, não disfarça.

- sabe que eu não gosto deste tipo de conversa Jane... e não quero tocar no nome do Claude... a Rachel pode ouvir! Ela está tão triste...

- eu sei que a Rach sente muita falta dele... mas não desvia, eu estou falando de você...aliás, de vocês...

-Bah

- E, se você disse a verdade, vocês passaram um bom tempo grudados, procurando os “abduzidos” não foi?

-Ráaa engraçadinha, fala como se você não tivesse na parada. Mas então, você acha mesmo que pode ter havido clima em meio ao apocalipse? Janete!

- Mas é claro que acho! É em tempos de crise que as maiores e melhores revoluções acontecem! E já tava na hora! Vai ver tudo isso nada mais foi do que a resposta do universo à demora de vocês em admitir de que são perfeitos um pro outro! Sob medida! A resposta e solução de todos os problemas!

- Janete! Dio santo ! Como você é maluca! –rio, saudades disso- ah, que coisa, você não muda!

-E acha que isso seria possível? Ai sim você está equivocada! Mas eu tenho toda a razão, e no fim, você há de admitir!

-hum...- balanço a cabeça... espero que eu tenha a chance de escolher algo assim. -Que o Claude apareça e ai prometo que penso no assunto!

- Ih mas eu não seqüestrei ele não! Ou acha que sou a gênia da lâmpada?

- Da “lâmpida” como canta Adoniran Barbosa!

- Do que estão falando?- caleb chega acompanhado da sempre quieta Rachel, os dois sentam á mesa.

- ah de uma música antiga e engraçada.... quer café no leite?

- leite no café. Agora, conta, ou melhor, canta a música?

- ah de jeito nenhum!

- porrr favooor?- Alice chega e senta também, agarrando uma caneca que Janete enche de leite

- não me lembro muito bem.... mas é sobre mariposas.... ah, sim! “As mariposa...”- começo a cantarolar- quando chega o frio... “fica voando em vorta da lâmpida pra se esquentar... elas rroda, rroda rroda e depois se senta... em cima do prato da “lâmpida”, pra descançar...- sorrio

- nossa mas a letra tá toda errada mamãe!

- não está não Caleb... é que no Brasil, houve uma mistura de culturas, de línguas... e as pessoas mais pobres, mais humildes, principalmente na cidade de São Paulo, que não tinham muito estudo, muita educação, falavam assim, engoliam os “ésses”, erravam em concordância...
- e a maioria dessas pessoas, de São Paulo, são como nós, descendentes de italianos!

- eles falam como o vovô?

- mais ou menos... agora apressa! Apressa porque está na hora dos três irem à escola! Não podem perder o primeiro dia!

Rachel segue em silêncio. Sei que ela não quer ir, que está frágil de mais... mas nesse momento, sei que é um mal nescessário. Mais um na vida dela. sei que estar aqui comigo de certa forma também é... que ela sente falta de casa, da Dádi, de Marseile, do pai... Mas ela precisa se distrair. Precisa estar aqui...


Rachel

Na fabulosa Paris... onde tudo são cores... flores e cheiros. Entre todas as coisas, o que mais me impressiona em Paris são os parisienses. Parisienses tendem a ser impacientes, entediados e as vezes entediantes. Sou parisiense, eu sei. Mas não sei como, não sei se sou parte daqui. Enquanto caminho na rua, pulso por querer ser. Ainda mais quando no mercado, os vendedores sorriem e gritam: bon jour! É como se me dessem as boas vindas. Então me permito sorrir. Me permito esquecer tudo. Me permito esquecer do Carlo. Do Carlo. pai.... jamais. Já-mé. Ele não é e nunca será meu pai. Todas as coisas que ele disse... todas as coisas sobre eu ser igual a ele e ser parte dele.... não. Papai, eu quero esquecer... é tudo mentira... pai...

Sem perceber, me afasto dos outros. Corri à todo fôlego... de repente , um senhor meio alto, meio estranho na minha frente.

Papai... eu gosto de quando o senhor me abraça, de quando me põe nos ombros. Eu gosto de te atormentar as vezes, só pra ver o vinco que se faz na sua testa todas as vezes que você fica nervoso. Pai, se lembra daquele dia, que acampamos no quintal? Eu peguei cinco paus na sua carteira, ah, e minha carta não era aquela, mas juro que na próxima te deixo ganhar. Papa... eu não tenho medo de bicho papão, você sabe... mas ele não me deixa dormir... ele deve ter asma... respira muito forte... papai... acho que seria uma boa hora do senhor aparecer, como prometeu. Estou com medo agora, papa... espanta o bicho papão... lê um gibi pra eu dormir....







segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Capítulo 45- Conversas



Le Eternel Amour
Tulipe Rouge


...Devia ser mais divertido não devia?

- É...Vai ver é por que você não quer mesmo jogar.

- Isso nem é tão verdade assim.

- É só porque você não gosta de mim e foi obrigado a brincar comigo.

- Rachel?

-hum?

- Porque você fala português se o...seu pai é francês?

- Minha mãe era brasileira e minha babá também é. E tem meu avô e...

- Tá já entendi.

-....

- Que foi?

- Porque você e sua mãe falam português também sendo que são descendentes italianos?

- Ah é uma longa história. E chata também.

-Huh

- Você sente falta da sua mãe?

- É... as vezes... mas eu quase não sinto porque não conheci ela direito... Ela...morreu quando eu tinha uns quatro anos.

- Meu...pai...morreu antes de eu nascer.

- Eu lamento muito.

- É eu também...

- Escuta... e se agente fizesse um... esquema?

-Como assim esquema?

- Você queria ter um pai, eu queria ter uma mãe...

- E eu tenho mãe e você tem pai...

- Agente podia... Sei lá... fazer um... revesamento...

- sei não...

- Ah poxa como você é chato

- Ei! Você que é maluca...

- Não ri de mim!

- Mas você também está rindo!

- Não me enrola! Vai diz que aceita!

- Tá... supondo que eu aceite... Oque isso significa? Assinamos um contrato? Pacto de sangue?

- Báh, não... Agente aperta a mão.

-Ok... E agora?

-Agente precisa de um plano.

-Plano?

- É... Acho que...

- Que sorriso é esse?

-É que eu tive uma idéia! Agente precisa juntar os dois!

- Como assim Rachel?

- Ué... Agente precisa fazer os dois ficarem juntos... Como... Um casal.

- Como... Casal?

-É... Eles precisam se casar. Ai agente ia ter os dois ao mesmo tempo. A sua mãe ia ser minha mãe também...

 - E ... Espera... Teu pai mora em Marseille... Como agente faz?

- Ah sei lá... Agente pode... Passar um tempo morando lá e depois agente volta para cá pra Paris...

- Huh Paris é muito chata... Vamos todos pra Marseille que tem praia de verdade e ondas de verdade também.

- Ah eu gosto do Sena.

- Eu gosto do farol e do porto.

- Ah quer saber, montar outro grupo ia ser um trabalho muito duro...

- Que grupo?                

- Ei! Eu vi! Pode voltar uma casa seu sem vergonha!... E o MEU grupo...  cigales

- Ci oquê?

-Cigales. O nome de meu grupo...

- Fazem oque? Dançam Black? Balé?

- Ah eu odeio balé... Larguei e agora me dedico totalmente ao Blues e Jazz.

- Você gosta de Jazz?

- Oui! E olha... Sua rainha está em xequeee!!



“Engraçado... Eles... Conversam como se... Como se nada estivesse acontecendo. Como se nada fosse mais importante... Como se o Claude estivesse aqui... como se... Tudo estivesse bem.
Não parecem incomodados com a possibilidade de eu estar ouvindo a conversa, --e estou.

Não parecem dois órfãos unigênitos de famílias fracassadas. Mas dois... Irmãos. O que por pura ironia da vida não são.
Se pelo menos a Rachel fosse filha do Claude...
Se pelo menos Caleb não fosse filho do Claude... Seriam mais iguais... Ou... menos diferentes...

-Que droga!

-Mas...oque foi?- pergunto a Sérgio, que se desmonta no sofá a minha frente

- Nada é que... bom... estou feliz.

- Você está feliz? Mas...então porque essa cara?

- Acharam a Alice, Rosa!

- Deus do céu! Mas e onde? Como ela..está? Ela está bem?

- É...Ela foi localizada em Lille, não muito longe daqui. Mas...

- Onde está Janete? ham?- meus olhos se enchem de lágrimas

- Ela continua desaparecida e... a Alice está machucada.

-Como...machucada?

- O rosto dela... parece que... ela se feriu em arame farpado e cacos de vidro na fuga.

- Fuga? E de onde ela fugiu?

- Bem... parece que de uma espécie de orfanato clandestino... ainda não sei muito mas tem a ver com o tráfico de....

- Sérgio?- ele espreme os olhos e adormece


....

Voltamos de Lille com Alice dormindo e uma pilha de papéis sobre burocracias e processos jurídicos. E muitas Xerox da foto que Jane mais odiou entre todas as que ela tirou no verão passado... ela disse que aquelas foram as piores férias de todas também, porque não viajamos e ela ficou doente. Tinha pego catapora de um paciente muito bravinho...
Do Caleb. Foi muito engraçado.... E estou com saudades dela reclamar de não poder fazer as unhas com a mesma freqüência com que gostaria...

Alice vai ficar na minha casa também. No quarto de Caleb junto com Rachel. Caleb continuará comigo. A menos que queira a companhia de Sérgio. Ele anda tão solitário. Está afastado do trabalho por depressão e creio que não seria apropriado Alice ir pra casa por enquanto... ainda mais agora... ela precisará de colo de....

Sérgio

- Mãe?-Ela abre os olhinhos... sua cabeça em meu colo

- Oi amor...- Tento não parecer desesperado...Mas as lágrimas escorregam por minhas bochechas e uma até pinga na testa dela

- Papai?- ah como desejei ouvir esse chamado! Abraço-a com todo meu ser. Ela é parte de mim... e nunca mais vou deixá-la ir pra longe de meus olhos!

Alice passa a mão pelo próprio rosto e descobre as gazes... quero dizer...redescobre. Rosa já conversou com os médicos e parece que mais pra frente ela poderá remover as cicatrizes por cirurgia... o importante é que ela está bem... está aqui...

Somos fortes... e vamos conseguir juntar os cacos. E Jane está vindo eu sei. Esteja onde for... está a caminho. Está com saudades... Tanto quanto nós estamos.

-Você podia ao menos me dizer oque você pensa sobre mim, hã?

- Porque está perguntando isso Rosa?

- Porque... estou me sentindo estranha e... inútil.

- Ora mas oque é isso! Você está sendo maravilhosa! Como sempre foi mana!

- Grazie...Ma io so che que non è vero. Eu sinto.. sinto que eu poderia ter feito algo para que... Pra que as coisas fossem diferentes.. Olha só pra mim? A minha vida está toda louca... O pai do meu filho é irmão do homem que eu fiz o Caleb acreditar que fosse pai dele. Ele não sabia sequer da existência do Caleb... Nós nunca tivemos nada parecido com um romance e... Agora ele está desaparecido e eu sei que o inimigo dele... o mesmo farabuto que atirou no Tony... está lá... com ele nas mãos.

- Rosa... Você... por acaso sabe o porquê desse homem ai odiar tanto o Claude?

- Hm...

- Sabe?! Deus! E porque nunca contou pra ele? Ou pra... pra mim!?

- Sinto muito... mas foi um segredo que prometi guardar...

- Rosa...

- Eu sei que agora não faz mais sentido mas... eu prometi pro Tony...

- oque? Foi ele quem te contou?

- é...

ROSA

E do resto de nossa conversa daquele dia eu ainda me lembro... Ele olhou fundo nos meus olhos...

E num suspiro ainda disse:

- Tem certeza que quer saber?

Eu apenas assenti,sentido que com certeza em algum momento iria me arrepender.

- Ele é nosso irmão.

- Oquê?!- saltei do sofá

- É nosso meio-irmão na verdade...

- Tony... mas como assim? Ele é bastardo?

- Mais ou menos isso..

- Teu pai foi infiel a sua mãe?

- Non... O Carlos foi antes do meu pai casar...

- Mas como? Se ele..

-Rosa...

- Tá... pardon

- Ele conheceu a mãe do Carlos... Na mesma data que soube que ia se casar... Ele não conheceu minha mãe antes da véspera do casamento... Naquela noite ele foi à um bar... e lá conheceu uma cigana... filha do dono do lugar... foi ela quem atendeu ele no balcão. Ele disse que se apaixonou na mesma hora. E depois ele se casou... ele soube que a moça estava grávida... mas já era tarde. Ele ainda levou uma corça do meu avô... que pagou um dote à cigana... pra que ela fosse embora da cidade e jamais contasse nada a respeito da história... Meu avô era um homem severo... e não suportava a idéia de ter mais esse escândalo sujando o nome da família Geraldy...

- Nossa... Mas porque o Carlos...

- Carlo... Carlo na verdade... ele ... odiou mil vezes a família que o rejeitou... dizem que ele tem uma espécie de sociopatia... ele.. é doente. Sádico... Fazia coisas horríveis no quartel... isso o próprio Claude me contou...  Eu acho que o Carlos acha que nós somos os culpados por ele ter vivido uma vida miserável... e até... que somos responsáveis pelo assassinato de sua mãe.

- e..

-Sim, foi o meu avô o mandante desse crime. Eu li seu testamento... e suas horríveis confissões. O Claude acha que eu nãos sei de nada... que eu não entendo a raiva dele... Mas ele nem sabe dessa história e nem sabe que eu sei dos segredos sórdidos de nosso avô... que aliás, ele só suspeita.

- Mas Tony... como é que você consegue ser tão...

- Frio? Não Rosa... Não sou frio... Mas com tantos problemas... alguém tem que manter o controle não é? E mesmo que eu tenha de servir de mediador... no fim das contas... eu até prefiro ser. A última coisa que quero é ser um problema a mais.

- Você nunca será Jean...- o olho intensamente. Eu sabia que jamais esqueceria dele. E não esquecerei mesmo que queira.



sábado, 30 de julho de 2011

Ponto de encontro




Crônicas de U.R.C.A

Ele passava na rua... ela olhava as manchetes na banca. Ele se cansou dos cigarros, e jogou o maço inteiro no latão de lixo. Eles nunca ajudaram nem fizeram diferença. Já que ele mesmo nunca os experimentou por mais de cinco segundos. 
Estava ventando, mas não estava mais frio externamente do que internamente, para eles. Se o corpo é a casa da alma, que casa mais gelada eles foram arranjar!

 Ela sorriu para a senhora que disse um “Deus abençoe” pelo jornal que ela comprou. Ele espraguejou pela poça de lama que pisou.

Mas em tantas diferenças eles eram tão iguais! Podia parecer que não tinham nada em comum e que jamais se conheceriam. Não havia porquê se conhecerem. Mas talvez o tédio, ou a demora do ônibus... Algo talvez aconteceu. E talvez eles encontraram os olhares. E talvez eles começaram um jogo silencioso. E talvez eles sorriram de um menino e seu cachorro espertinho, que aproveitou a distração que o dono oferecia ao moço da barraca de cachorro-quente para derrubar, num golpe de focinho, uma lata cheia de salsichas.

Talvez eles se sentiram iguais naquele instante. Por se divertirem duma mesma cena. Por acompanharem a corrida do cachorro fugindo com os olhos. Mas como, como que o cão viu apenas aquela direção, como ele atravessou a rua e insanamente tentou passar pelo meio dos dois sem quase derrubar ambos?

Ela se desequilibrou, porque a fita do cão se enrolou em suas pernas, como num laço de caçada. Ela se inclinou para a frente e quase caiu sobre ele.
Ele a segurou pelos braços, e depois que ela se estabilizou sobre os pés novamente, ele soltou o cãozinho que ensaiava um pedido por piedade com seu choro. Eles riam alto, e depois que o menino virou a esquina, eles se deram conta de que não iria ser sempre assim. Que eles não olhariam sempre para a mesma direção. Ou não?

Nesse momento, espremeram os olhos, e se encararam com a mesma expressão de dúvida e como se seus lábios imóveis pudessem fazer questionamento. Mas não. Se olharam e de novo constataram que pela razão não haveria o porque de eles olharem para a mesma direção de novo.

..
Ela saltou do ônibus, ele ficou lá no último banco se perguntando “porquê ela sentou no primeiro?” A distância da ignorância os separava. Mas agora não mais tão distante eram, porque já não ignoravam a existência um do outro.
Ela agora sabia que aquele moço saltaria em algum ponto mais à diante. Talvez mais, talvez menos distante que o ponto final da cidade. Onde ele iria? Porque ela não poderia ir junto onde quer que fosse? Isso era tão irreal quanto o que a fazia pensar que jamais o veria novamente.
A sutil esperança. Aquela que ninguém pede para ter. ela vem como a fé. Você acredita, ou não. Não tem explicação, e é inquestionável. Ele sentia essa esperança. A de que encontraria a moça de novo. Ele sabia que a encontraria!
Como? Ah, a esperança maluca é que sabe.

Num dia não mais quente e nem muito diferente do cinza daquele outro eles se viram de longe. Se reconheceram!
Desespero sem causa aparente, como se uma porta fosse fechar e veja... ela se fechou. Ele não conseguiu entrar no ônibus. Ela apenas ouviu o murro que ele deu na lataria pouco antes do ônibus o deixar para trás. Ah não. Ela fechou os olhos e suspirou. Ele bufou pelo infortúnio. Mas uma vez, algo estava acontecendo silenciosamente.

Aquele desencontro só instigou ainda mais a imaginação dela.
Ele sentia que sua vida poderia mudar a qualquer momento.
Ela sabia que era louca por acreditar em contos de fadas.
Ele batia nas teclas com precisão e pouco mais de força que o necessário.
Onde estaria um em relação ao outro? Para resolver este caso, os cálculos dele não eram o suficiente. Para ela, desenhar algo que esboçasse seus pensamentos era um absurdo!

Ele e seus cálculos sentado junto à janela. O ônibus lotando aos poucos. Ela sobe a bordo com os olhos vidrados em psicologias que seu livro lhe ensinava.
Distração que veio mostrar, que certas coisas simplesmente acontecem. Sem mais.

Ela sentou e ele nem mesmo olhou quem estava a seu lado. Na verdade, ela também não o reconheceu. Ela sequer reparou no moço de cabeça baixa a seu lado.

“-Ei, com licença!” – poderia ser quem?... a voz do óbvio talvez... mas era uma moça estendendo um buquê de rosas vermelhas, cada flor com um laço em seu caule. O cheiro das rosas era notável... e os dois pares de olhos pousaram sobre elas. Ele enfim notou os cabelos dela. As mãos prendendo o livro, o pescoço comprido e delicado. Ele só podia sorrir.
Ela olhava ainda desvairada para a moça das flores, que sorria e pedia a contribuição que lhe cabia. Uma mão irrompeu o campo de visão dela, e a moça das flores recebeu a nota que ela lhe oferecia, e em seguida entregou uma das suas cheirosas rosas para a ‘mão misteriosa’.
Ela não queria, era um tanto constrangedor. Mas o impulso girou sua cabeça na direção do dono da rosa. E ela até se assustou um pouco, quando viu um largo sorriso se formar no rosto dele e olhos brilhantes faiscando um milhão de palavras à ela.
Ela sorriu também, e recebeu a rosa.

Naquele dia ela conheceu o estudante que lidava habilmente com os números e fazia cálculos complexos, mas sempre agia pela emoção. E naquele dia ele se surpreendeu com a quase psicóloga que não conseguia deixar a razão. Ambos descobriram que em tudo eram diferentes, que em nada eram parecidos. E isso era perfeito! Era perfeito porque um poderia ter no outro aquilo que não encontravam em si mesmos. Mais do que se completarem, eles faziam parte um do outro sem saber.

“-Meu nome é Rosa.”
“Je m’appelle Claude”

Eles sorriram. E desta vez, um para o outro.